Quando um mal absoluto dos nossos dias – o abuso sexual de menores – é tema, a nossa resposta é unânime. Mas pode o tema ter múltiplas visões? Essa questão é a proposta de Benedict Andrews em Una – Negra Sedução.
Não é novo o tema de Una – Negra Sedução (Una, 2016), a primeira longa-metragem (se descontarmos ao teatro filmado National Theatre Live: A Streetcar Named Desire) de Benedict Andrews, um australiano radicado na Islândia e que filma em Inglaterra. Mas quando esse tema, a pedofilia e/ou abuso sexual de menores, chega ao grande ecrã, os sentidos apuram-se e a nossa tendência para julgar de olhos fechados ganha peso.
Baseando-se na peça de teatro Blackbird, de David Harrower, Benedict Andrews tentou o difícil equilíbrio de tocar um tema forte e consensual, dando-lhe uma ênfase um pouco provocante. É que a nominal Una – interpretada a dois tempos por Rooney Mara (a Una adulta) e Ruby Stokes (a Una de 13 anos, nos flashbacks) –, quando confronta Ray (Ben Mendelsohn), o homem que 15 anos antes teve uma relação romântica e sexual com ela, fá-lo, não tanto para o acusar daquela relação ilícita, ou para exercer alguma vingança daquelas que alimentam tantos thrillers modernos, mas sim para procurar compreender porque ele a abandonou, e porque já não a quer hoje.
O filme começa com o reencontro, 15 anos depois dos acontecimentos, agora com Una já com 28 anos, e Ray na casa dos 50, e transporta-nos imediatamente para a lógica do teatro, com a claustrofobia dos espaços fechados, olhares e diálogos tensos, onde todos os acontecimentos são feitos da interacção directa das duas personagens. Mas caindo no velho logro de quem adapta teatro ao cinema, Benedict Andrews precisa de sair desses confins, e fá-lo desmultiplicando os espaços onde Una e Ray se encontram (às vezes em perseguições um pouco patéticas), introduzindo personagens secundários que pouco mais são que figurantes com falas, e recorrendo ao flashback para mostrar explicitamente aquilo que o filme de outro modo não saberia transmitir. Esta fuga retira a intensidade pretendida, perdendo-se muito daquilo que a tal claustrofobia teatral aqui daria a ganhar.
Graças à presença hipnótica de Rooney Mara (que sabe fazer coexistir frieza glacial e intensidade emocional) e a um sinuoso progresso de diálogos que nos vai tirando o tapete em vários momentos, Andrews consegue manter-nos em cheque. O risco é o do caminho que facilmente seria moralizante (afinal a pedofilia é um mal absoluto que julgamos de uma forma unânime), mas que, aqui e ali, é salpicado de alguma perversão de conceitos que nos quer fazer pensar sobre possíveis zonas cinzentas. E se Andrews não nos dá respostas simples (o seu maior mérito), deixa ao espectador a pergunta: poderemos imaginar o agressor do passado como a vítima do presente, ou é todo o comportamento actual de Una uma prova dos efeitos traumatizantes desse crime de muitos anos antes?
Review overview
Summary
Provocando com um tema difícil em que arrisca múltiplas visões, Benedict Andrews pega em material intenso, interpretado magistralmente por Rooney Mara e Ben Mendelsohn, mas cai no logro de fugir da lógica teatral, diluindo-o numa multitude de espaços, personagens e flashbacks.
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Argumento
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Interpretação
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Produção
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Realização
