A Cinema Bold tem aliado a quase simultaneidade de exibição de um filme no grande e no pequeno ecrã. O seu catálogo é composto por propostas modernas alternativas e alguns clássicos que merecem ser revisitados com frequência. Cada título lançado pela marca chega primeiro aos cinemas, e uma semana depois, está disponível em DVD, nos videoclubes e na plataforma Filmin.
No entanto, a pandemia levou a que muitas coisas na distribuição em Portugal (e no resto do mundo) tivessem de ser alteradas. Assim, a Bold decidiu que meia dúzia dos seus próximos lançamentos fossem agora aproveitados apenas para o consumo doméstico, sendo lançados a um ritmo semanal. O primeiro deles é este Monos, que estreia então nos ecrãs dos espectadores portugueses.
Monos tem um grupo de miúdos que se envolve numa brincadeira muito séria. Quando o filme começa, já a história vai “a meio”: não vemos como tudo aconteceu, mas entramos de imediato no quotidiano dos jovens, que conhecemos por alcunhas bem peculiares, e que formam uma espécie de esquadrão terrorista que está às ordens da… Organização (quanta originalidade). Com a missão de tratar de uma refém americana, o grupo sente a sua responsabilidade como se estivesse a “brincar às guerras”, só que estando mesmo de arma na mão, e tendo a maturidade de crianças que cresceram num mundo que mistura a inocência própria da idade e as intenções criminosas dos adultos. Vemos os protagonistas a interagirem entre si, não das formas mais amigáveis que conhecemos, e a sentir crescer neles o poder que lhes dá uma metralhadora carregada. É o que despoletará a espécie de caos em que veremos o grupo, numa mescla de situações que já vimos em tantos outros filmes.
As comparações com o romance O Deus das Moscas, que se têm visto na crítica internacional são compreensíveis (há, por exemplo, uma referência visual explícita de um dos momentos cruciais desta história, que os seus leitores irão reconhecer de imediato no filme), mas não tão importantes como nos querem fazer crer. Até porque, se a obra de William Golding lidava também com um bando de miúdos, eles não tinham uma autoridade superior a orientar-lhes os passos. É o que acontece em Monos, em que os “crescidos” que formaram aqueles pequenos guerreiros estão sempre presente (nem que seja em espírito), mesmo quando a “desordem” dos miúdos acontece. Tanto que, por mais sonhos ou desejos de escapar que eles tenham, será difícil fugir daquele mundo.
No fundo, Monos é um filme feito para “referências”. Aqui nos lembraremos de qualquer filme que tenha parte da sua acção situada em florestas e/ou em que os protagonistas enlouquecem. Não é, por isso, das experiências mais estimulantes: vemos muito do que a história do cinema nos ofereceu, o que faz com que este seja mais um filme de um cinéfilo aplicado e com olho para os planos bonitos do que uma experiência completa de cinema, que nos envolva mais do que apenas pelo seu ambiente. É um problema característico da modernidade cinematográfica e de muitos “filmes de festival”, em que o lado sensorial é elevado ao cubo, não olhando a meios para satisfazer esse propósito – por vezes facilmente “desmascarado”, mas noutras, com mais do que a atenção ao que pode ficar bem no plano.
E dá um certo gosto acompanhar o percurso daquelas personagens e perceber as dinâmicas entre elas. Porque no meio do trabalho visual, ainda houve algum cuidado para que os miúdos fossem mais do que caricaturas, o que acaba por dar um certo interesse a Monos. Mas isso acaba mais por ser um pormenor, numa experiência que quer ser visual – e é pena que não possa ser vista (para já) num ecrã de grandes dimensões, porque é o que este filme nos pede. É, aliás, a grande força de Monos: o lado sensorial e estético que nos transmite a terceira longa metragem de Alejandro Landes é o que fica no espectador no final da sessão.
Mesmo tendo várias limitações, aqueles ambientes e personagens não saem tão facilmente da nossa memória – e no fundo, por melhor ou pior que um filme seja, a marca que nos deixa involuntariamente na cabeça é o que subsiste no consciente. Veremos o que Landes terá para nos oferecer no futuro.
Review overview
Summary
Limitado em vários campos, Monos sobressai pela experiência visual e pelo relevo do seu conjunto de personagens.
Ratings in depth
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Argumento
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Interpretação
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Produção
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Realização