Terceira longa-metragem de Hala Khalil, Nawara fala-nos, no feminino, das consequências da «Primavera Árabe» de 2011, sem dramatismos, mas do ponto de vista do cidadão comum, com preocupações comezinhas, e aspirações perfeitamente humanas.
Realizado por Hala Khalil, uma egípcia já com duas longas-metragens, e algumas curta-metragens e documentários, Nawara (2015) segue a sua regra de filmes centrados na experiência feminina, com um toque de crítica social e política.
Passado no rescaldo da chamada «Primavera Árabe» de 2011, o filme conta-nos a história de uma mulher do Cairo (Menna Shalabi), de origem humilde, a trabalhar como doméstica numa vivenda de pessoas ligadas ao deposto governo de Mubarak. Através do seu dia-a-dia, acompanhamos a rotina diária de Nawara, entre a dedicação à avó (Ragaa Hussein) a quem tem de comprar medicamentos, e garantir que não falte nada (como a água que ela própria carrega em contentores), o relacionamento difícil com o marido Aly (Ameer Salah Eldin), que o é aos olhos de Deus, mas num casamento ainda por consumar (pois não têm como conseguir um apartamento), as visitas ao sogro, doente num hospital sem condições, e as longas viagens entre os bairros pobres dos arredores, e o bairro de condomínios de luxo onde trabalha.
Com o avanço do cerco aos nomes do regime de Mubarak, os patrões de Nawara vão ser tentados a abandonar o Egipto, enquanto nas ruas se celebram promessas de que agora, recuperando o dinheiro que está em contas estrangeiras, a pobreza terminará. Mas não é isso que sabemos ir acontecer, o que torna ainda mais desconcertante o olhar optimista e inocente de Nawara, que guarda a honra dos patrões, incita o noivo a não ceder ao pequeno crime dos amigos, e tenta defender os seus valores, esperando por um casamento que tenha condições sólidas.
Por entre longas viagens de transportes públicos, estadias prolongadas na mansão dos patrões, pedidos para melhores condições financeiras, e vicissitudes banais, como tentar ter água canalizada em casa, ou lidar com o enorme pastor alemão de que inicialmente tem medo, Nawara vai lutar, vai acreditar, e vai-se expor, num misto de coragem, inocência e realismo, capazes de nos impressionar e cativar.
Nesse sentido, o filme funciona como um quebrar de barreiras, onde vemos que, mesmo numa sociedade diferente da nossa, as preocupações básicas são as mesmas, e os instintos e comportamentos humanos também. Nawara é uma mulher egípcia, a viver uma revolução que não compreende, presa entre dois mundos (o da pobreza que quer triunfar, e o dos ricos que estão em fuga), mas é, ao mesmo tempo, alguém que sentimos próximo, sendo esse o maior mérito do filme de Hala Khalil.
Numa história simples, de acontecimentos banais que quase que nos guiam sem darmos por isso (e são muitos os detalhes que desfilam perante os nossos olhos), fica sempre a ideia de que é o naturalismo da realidade, e não uma obra de ficção, que temos diante de nós. Sem dramatismos ou situações exageradas (excluindo a coincidência que leva ao desenlace final), Hala Khalil traz-nos, com uma fotografia cristalina, e um ritmo seguro e intenso de diálogos rápidos e sinceros, uma imagem ao mesmo tempo esperançosa e cínica de uma situação política e social que, mesmo que seja distante, nos faz sentir próximos, pelo menos do ponto de vista humano.
Destaque ainda para a lindíssima banda sonora de Layal Watfeh, que ajuda a transportar-nos para o centro de um mundo, que facilmente percebemos ser exactamente o nosso.
Review overview
Summary
Centrado na interpretação de Menna Shalabi, Nawara é um retrato social do Egipto após a «Primavera Árabe» de 2011, visto no feminino, onde um optimismo inocente é sinal de esperança e abnegação, sem virar a cara às dificuldades, num filme que nos toca pelo realismo e humanismo da protagonista.
Ratings in depth
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Argumento
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Interpretação
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Produção
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Realização