Numa produção conjunta entre sérvios, croatas e bósnios, Branko Ištvančić traz-nos, em The Bridge at the End of the World (2014), um olhar frio para o pós-guerra da ex-Jugoslávia, com a amargura das recolocações de populações que já não encontram raízes nem calor em parte nenhuma.
A guerra de independência das repúblicas da ex-Jugoslávia (1992-1995) foi a mais trágica guerra civil que a Europa testemunhou nos últimos cem anos. É difícil a quem está de fora perceber, tanto os motivos que levaram àquele despoletar de ódios, como à sua realidade e consequências futuras. É um pouco desse último ponto que o filme de Branko Ištvančić nos tenta trazer.
A acção passa-se após o final da guerra, quando populações refugiadas pelo conflito retornam aos lugares que foram seus. Junto à fronteira entre a Croácia e a Bósnia, croatas fugidos da guerra na Bósnia habitam em casas pertenciam originalmente de sérvios que tiveram de fugir da Croácia. Estes voltam agora, ao abrigo de um programa de recolocação com o apoio dos vários governos, mas são recebidos com desconfiança. No centro está Filip (Aleksandar Bogdanovic), agente da autoridade da comunidade croata, que vive numa casa de antigos sérvios, e que aceita a bem a sua futura recolocação. Filip tem de lidar com a menor colaboração dos seus vizinhos, inseguros quanto ao seu futuro e hostis para com os recém-chegados, contra quem estão dispostos a usar armas. A isto junta-se o desaparecimento de Jozo, um velho croata, que Filip tem investigar e resolver, antes que o caso possa ter aproveitamento sensacionalista pelas comunidades ainda feridas.
Branko Ištvančić, um realizador croata, com carreira longa, tanto em televisão como no cinema, tem usado frequentemente o pós-guerra como tema da sua obra. Fá-lo quase lateralmente em The Bridge at the End of the World (2014), uma co-produção que envolveu Croácia (Artizana Film), Sérvia (Kinematografska Kuća), Bósnia-Herzegovina (Heft Produkcija) e França (Dari Films). Nele, Ištvančić mostra-nos o quotidiano de um polícia, a sua relação interior com a terra, e o mistério do desaparecimento de um idoso. Estes os são pretextos para acompanharmos, com um olhar frio e semi-distante, os acontecimentos da recolocação de populações e modos de lidar com isso.
Com uma fotografia que chega a ser intensa, The Bridge at the End of the World decorre a um ritmo pausado (que lembra um pouco o cinema de Nuri Birge Ceylan), marcado pelo comportamento de Filip, um homem pragmático, pacífico, ciente das suas limitações e amarguras, que vive numa paz estagnada entre uma mulher pela qual nada sente, e uma relação quente com uma prostituta. Guiados pela necessidade de resolver esse mistério, que tem o seu quê de metafórico (como a ponte que dá nome ao filme), somos transportados por interiores lúgubres de casas semi-destruídas, populações tristes, meios parcos de subsistência, paisagens imensas, céus cinzentos e permanentemente húmidos, tudo testemunha de um desconforto que, como o protagonista explica, é o de não se pertencer a parte nenhuma, como na metáfora da camisola que uma vez deixada para trás já não nos volta a servir do mesmo modo.
Mais que um documento de pós-guerra, ou um mistério criminal, The Bridge at the End of the World é a história humana da ligação (ou falta dela) à terra onde sentimos as raízes de sermos alguém, uma história desse corte de ligações que nos pode transformar em seres errantes, ainda que não saiamos do mesmo lugar. Através da frieza que descreve, Branko Ištvančić despoleta o calor de sabermos que essa história é de todos nós.
Review overview
Summary
Olhar frio, mas intenso, para o corte de raízes trazido após as fugas e recolocações das guerras na ex-Jugoslávia, na história do desapaixonado agente policial que tem de investigar o desaparecimento de um velho bósnio croata.
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Argumento
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Interpretação
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Produção
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Realização