O título de “Western” remete não só para o encontro entre a Europa Ocidental e do Leste que observamos o longo do filme, mas também para o género cinematográfico que partilha o nome com o título da nova longa-metragem realizada por Valeska Grisebach. Não temos a grandiosidade do Monument Valley em planos bem abertos, embora não faltem elementos como a cidade de fronteira, o protagonista lacónico, bem como um estaleiro que a espaços traz à memória os postos da cavalaria de obras como “She Wore a Yellow Ribbon” ou “Fort Apache“. O estaleiro pertence a uma empresa da construção civil oriunda da Alemanha, que foi contratada para uma obra intrincada numa zona rural da Bulgária, com o espaço onde estes elementos vivem e trabalham a ser exposto e aproveitado ao pormenor, sendo exibido muitas das vezes em planos abertos que permitem exacerbar as características simultaneamente belas e hostis deste território. Não faltam espaços verdejantes e plantações de tabaco, bem como uma série de caminhos não alcatroados que dificultam a circulação dos veículos e uma sensação de isolamento que é quebrada em alguns momentos pela presença dos locais.
A presença do calor e do Sol é sentida, quase que a trazer a falsa sensação de um ambiente acolhedor, embora ao longo do filme não faltem situações tensas, seja no interior deste grupo de trabalhadores, ou inerentes ao choque de culturas entre alguém que vem de fora e aqueles que já se encontram no território. Esse embate é um dos temas primordiais do filme: a língua separa os alemães dos búlgaros, tal como os seus hábitos, objectivos e preconceitos. A própria presença da bandeira alemã, colocada a sinalizar o estaleiro, indica desde logo um sentimento de tomada do território (e uma sensação de intrusão), com diversos trabalhadores a apresentarem em alguns momentos uma postura a roçar o chauvinismo e a xenofobia. Note-se quando encontramos Vincent (Reinhardt Wetrek), o elemento que controla a obra, a salientar que regressaram 70 anos depois (numa alusão à II Guerra Mundial), ou a forma como este personagem não tem problemas em desviar água para poder manter a obra a funcionar, ou a sua atitude desprezível e machista para com Vyara (Viara Borisova) num episódio definidor que ocorre no início do filme.
A observar esse episódio que decorre num momento de lazer encontra-se Meinhard (Meinhard Neumann), um antigo legionário. Meinhard Neumann, um intérprete não profissional (tal como boa parte do elenco), é um achado. Com um corpo magro, um olhar que transmite uma certa passividade, um bigode saliente e um rosto que facilmente fica na memória, Neumann consegue explanar a capacidade deste indivíduo em tanto apresentar gestos dotados de sensibilidade que contrastam com os comportamentos dos seus colegas como de explodir e exibir um lado mais intenso. Este quer ser aceite e esboça em alguns momentos alguma estima pelo território e as suas gentes ao mesmo tempo que coloca em evidência a sua faceta melancólica e introvertida. Diga-se que o intérprete consegue ainda exprimir a afeição que o protagonista gera em relação a um cavalo (quase a parecer um cowboy solitário), bem como o seu esforço para relacionar-se com os locais, seja a tentar formar amizades, ou a aprender a língua. Note-se a relação de proximidade que forma com Adrian (Syuleyman Alilov Letifov), um indivíduo com algum poder nas redondezas e uma vasta rede de contactos, com a atitude do personagem principal a contrastar com a faceta mais belicosa de Vincent.
Reinhardt Wetrek imprime um lado pouco dialogante, egoísta e machista a este indivíduo que começa a temer que o protagonista lhe roube influência, com os intérpretes a exprimem habilmente a animosidade que se gera entre os seus personagens, muitas das vezes apenas com o olhar ou a expressões dos seus rostos. O receio de Vincent não aparece ao acaso, ou “Western” não surgisse também como um filme sobre a masculinidade, seja em relação aos comportamentos dos homens quando estão em grupo, ou isolados, ou a maneira como expressam ou reprimem os seus sentimentos, ou tentam conquistar a atenção daqueles que os rodeiam. Observe-se a forma jocosa como Meinhard é encarado pelos colegas por tratar os búlgaros com respeito, ou o trecho em que encontramos Vincent ao telefone quer com a esposa, quer com o seu superior, num episódio em que demonstra as fragilidades que costuma conter (em falas que lhe atribuem humanidade e dimensão). Grisebach arquitecta os momentos de tensão com enorme acerto, com os conflitos físicos a acontecerem com alguma regularidade, ou a testosterona não estivesse à flor da pele e o calor pronto a aquecer os ânimos, enquanto o choque de culturas é notório, como podemos observar nas dificuldades de comunicação entre os alemães e os búlgaros, algo que os obriga praticamente a recorrerem a gestos, embora pelo caminho surjam alguns mal-entendidos.
O próprio contexto contribui e muito para o florescimento dos comportamentos mais ariscos, com todos os personagens a encontrarem-se a lidar com uma situação pouco habitual. Os búlgaros voltam a ter alemães naquele território específico, após a II Guerra Mundial, um tema que surge imenso ao de cima. A juntar a tudo isso, nem sempre compreendem a necessidade da vinda destes elementos, algo que remete para as especificidades do sector da construção civil e dos apoios europeus (e para os comentários de foro social do filme). Por sua vez, os alemães não estão habituados a este território, algo que demonstram por diversas vezes, seja em forma de desabafo, ou de maneira jocosa. Entre os búlgaros destaca-se Adrian, um indivíduo que tem alguns diálogos sinceros com Meinhard, pese a barreira linguística. Outro elemento local em destaque é Vyara, uma jovem que sabe falar alemão e desperta atenção de Meinhard e Vincent, uma situação que promete potenciar a animosidade da dupla. Os intérpretes convencem, enquanto Grisebach desenvolve estas dinâmicas e temáticas num ritmo muito próprio, sem qualquer sentido de urgência, mas com imensa precisão e um tom documental, enquanto se esgueira quer a nível visual, quer temático, pelo género do título.
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