Share, , Google Plus, Pinterest,

Print

Posted in:

Um Dia de Chuva em Nova Iorque

de Woody Allen

muito bom

Em alguns casos não precisamos de saber antecipadamente a identidade do autor de uma obra para descobrirmos a mesma. Podemos errar, é certo. Mas em diversas situações o mais difícil é falhar. “A Rainy Day in New York” (Um Dia de Chuva em Nova Iorque) é um desses casos. Está escrito Woody Allen em cada fala, cenário, música ou tema, bem como na relação muito próxima do protagonista com a cidade de Nova Iorque. O trabalho de Vittorio Storaro na cinematografia realça precisamente as características deste espaço urbano, seja a luz que não esconde o cinzento de um dia chuvoso, ou a pluviosidade que traz consigo as contradições inerentes às relações humanas. Diga-se que Woody Allen e Vittorio Storaro, bem como a equipa responsável pelo guarda-roupa, parecem fazer de tudo para atribuir um toque de outro tempo e de classe a esta fita onde um casal que estuda na universidade de Yardley se prepara para protagonizar uma série de encontros e desencontros no interior da Big Apple. A partilhar os apelidos de Jay Gatsby e Orson Welles, Gatsby Welles (Timothée Chalamet) é um jovem adulto que não parece particularmente agradado com a faculdade, gosta de apostar, tem um talento notório para tocar piano e para contrariar as expectativas dos pais, um casal financeiramente abonado. O seu gosto está quase sempre centrado no mundo das artes e o seu coração bastante ligado a Ashleigh Enright (Elle Fanning), a namorada.

Elle Fanning imprime uma faceta algo ingénua e atrapalhada à sua Ashleigh, uma estudante universitária com uma inabilidade notória para utilizar referências cinematográficas e literárias. A oportunidade desta entrevistar Roland Pollard (Liev Schreiber), um realizador em crise, conduz o casal a passar um curto período de tempo em Manhattan. No entanto, os planos de ambos logo saem frustrados a partir da ocasião em que o cineasta convida a jovem a ver uma versão não finalizada do filme que se encontra a desenvolver. Aos poucos, Ashleigh é atirada para o interior de um turbilhão onde tudo e todos parecem querer envolver-se consigo, com Woody Allen a aproveitar a inocência e a curiosidade da universitária para deixá-la diante de situações intrincadas. Pelo meio, o cineasta aproveita reunir no interior de “A Rainy Day in New York” quer uma homenagem ao cinema e aos clássicos, quer uma sátira aos bastidores da Sétima Arte, um meio onde ninguém parece controlar os ímpetos diante de uma mulher. Diga-se que a mordacidade do cineasta é visível em diversos pontos da película, seja nos comentários relacionados com os preços do imobiliário no Soho, passando pela crise criativa de Pollard e a interacção entre várias figuras, até às falas sardónicas de Shannon (Selena Gomez), com quem Gatsby forma uma dinâmica na qual a irrisão parece ser o ingrediente secreto para a aproximação.

Ao longo das diversas obras realizadas por Woody Allen que não contam com o cineasta como actor ou personagem principal, é relativamente comum que o protagonista apresente diversos traços do autor. O nervosismo, a insegurança, as frustrações, o gosto pela música e o cinema são alguns desses ingredientes, com Timothée Chalamet a incutir os mesmos ao estudante universitário. Note-se as inflexões do tom de voz e os trejeitos que o carismático intérprete insere ao seu Welles, um elemento que facilmente desperta a nossa atenção. Diga-se que as dinâmicas do actor com Elle Fanning e Selena Gomez funcionam com acerto, sobretudo com esta última. Ainda que tenha relativamente pouco tempo de cena, a antiga estrela de “Wizards of Waverly Place” aproveita ao máximo o argumento que tem à disposição e comprova a capacidade de Woody Allen para extrair interpretações de relevo dos seus intérpretes. Elle Fanning é outro desses casos que conseguem brilhar ainda mais alto com o cineasta, com a actriz a exibir um domínio notório dos ritmos do humor e a espelhar eficazmente a imaturidade e a ingenuidade da sua Ashleigh, uma jovem que a espaços traz à memória as personagens de Marilyn Monroe em “Some Like It Hot” e “The Seven Year Itch”. Já elementos como Liev Schrieber, Jude Law e Diego Luna têm pouco tempo de cena ainda que não comprometam.

Se o Roland de Schrieber parece não confiar no seu trabalho e aparece como o típico artista de meia idade em crise, já Luna imprime confiança e uma postura mulherenga ao seu Francisco Vega. Por sua vez, Jude Law tenta inicialmente parecer a voz da razão como Ted, ainda que este trio ligado ao ramo cinematográfico rapidamente deixe de lado o bom senso quando conta com Ashleigh por perto. Esses avanços perante a jovem permitem não só expor estes três elementos ao ridículo, mas também satirizar o meio ao qual estão ligados. Os personagens intelectuais ou do meio artístico, as frustrações de cariz sexual, a música jazz, as referências a diversas obras, as traições e o aproveitamento dos espaços citadinos ao serviço do enredo são ingredientes transversais a diversas obras de Woody Allen e estão presentes em todos os poros de “A Rainy Day in New York”. O cineasta volta ainda a exibir o seu talento como argumentista, em particular, para criar falas marcantes, bem como para construir alguns trechos de humor dignos de atenção. Observe-se uma fuga que tanto tem de cómica como de trágica, ou a troca de diálogos entre Ashleigh e Roland sobre cinema.

A jovem e o namorado encontram-se afastados um do outro durante uma parte considerável da trama. É um dispositivo que serve para o argumento colocá-los em situações distintas que prometem marcá-los de forma igualmente diferente, sejam encontros, desencontros, reuniões familiares ou um visionamento peculiar. Como pano de fundo têm Nova Iorque, ora durante o dia, ora em plena noite, uma cidade exposta com um certo romantismo e doses consideráveis de melancolia. Uma metrópole que já serviu para Woody Allen brindar-nos com os marcantes “Annie Hall” e “Manhattan”. “A Rainy Day in New York” não atinge o nível dos anteriores, mas nem por isso está próximo de ser um filme descartável, bem pelo contrário. O seu romantismo é capaz de conquistar, tal como as falas mordazes, a desfaçatez com que são lançadas referências e a arte do seu realizador para o humor, com Woody Allen a compensar alguma falta de fulgor criativo de outrora com uma segurança e uma eficácia invejáveis.

Review overview

Summary

Ratings in depth

  • Argumento
  • Interpretação
  • Produção
  • Realização
3.8 10 muito bom

Comentários