Mais de duas décadas depois de Tim Burton nos ter oferecido Ed Wood (1994), título sobre o “pior realizador de sempre” que culminava com a produção da sua obra-prima, Plan 9 From Outer Space (1959), por sua vez rotulado como um dos “piores filmes de sempre”, a estreia de Um Desastre de Artista recupera um tema semelhante, centrando-se na relação entre os amigos Greg Sestero e Tommy Wiseau, e no processo de criação de The Room (2003), que também se juntou ao grupo de filmes de reputação duvidosa, entretanto elevado a fenómeno de culto entre os cinéfilos apreciadores do cinema “tão mau que é bom”.
Wiseau, uma figura tão estranha quanto fascinante cujas origens permanecem ainda hoje um mistério, não tem grande talento nem diante nem atrás das câmaras, mas isso não o impede de escrever, produzir, realizar e interpretar o filme, para total incredulidade do restante elenco e equipa técnica que nele trabalharam. O grande trunfo desta espécie de making of dramatizado é que abraça na perfeição o lado completamente absurdo e surreal da história e acima de tudo do inqualificável Tommy Wiseau, mas ao mesmo tempo respeita o seu iludido protagonista e nunca resvala para o gozo. Ao contrário de Wiseau, James Franco, que surge como protagonista e realizador de Um Desastre de Artista, parece estar em estado de graça nas duas funções, presenteando-nos com o melhor trabalho da sua carreira em ambos os cargos.
Num daqueles casos em que a célebre frase “Inspirado numa história verídica” assume uma importância vital para que o espectador não duvide em demasia do realismo dos acontecimentos que retrata e, apesar de assumir o filme essencialmente como uma comédia, Franco é particularmente contido na sua composição de Wiseau, o que não é fácil quando a personagem que interpreta é um tipo com um ar vampiresco, que usa regularmente óculos escuros, se diz americano mas tem um sotaque quase incompreensível, e acredita que o sucesso comercial do seu filme passa, entre outras coisas, por mostrar o rabo numa cena de sexo. Ao contrário do anteriormente mencionado Ed Wood, Um Desastre de Artista não é particularmente extraordinário do ponto de vista visual, mas é especialmente interessante quando tenta recriar algumas das cenas de The Room e dar-lhes uma espécie de contexto. Porque, e esta é uma das suas grandes lições, por muito mau que seja o seu trabalho, Wiseau vê-o como uma espécie de expressão pessoal, nele deixando pedaços da sua vida que, mesmo que provavelmente só ele compreenda, soam sinceros. E sinceridade é coisa que falta a muitas das grandes produções que tão regularmente estreiam nas salas de cinema de todo o Mundo.
Além de James Franco como o excêntrico de serviço, Dave, o seu irmão, interpreta o papel do homem normal, Greg Sestero, o amigo que Wiseau convenceu a juntar-se a ele em Los Angeles a fim de ambos perseguirem o sonho de uma carreira como actores. Sestero, que co-escreveu o livro homónimo que serviu de fonte ao filme, acaba por ser o ponto de vista que narra a história, mas a sua participação na trama e a composição de Dave Franco evitam o problema habitual destas narrativas, de serem relegados para a sombra do protagonista mais histriónico. Com uma série de actores famosos e outras celebridades no elenco, Um Desastre de Artista consegue ser bastante divertido, ao mesmo tempo que reflecte sobre o processo de criação e a relação do produto final com o criador. Nesse aspecto, os seus minutos finais, durante a primeira projecção pública de The Room, são particularmente belos porque representam não necessariamente o que terá acontecido durante a estreia do filme, mas a forma como este é hoje em dia visto pelo público que o abraçou e continua a dar vida a um trabalho que à partida estaria condenado a ser completamente esquecido no tempo.
Review overview
Summary
Ao mesmo tempo que se assume como uma divertida comédia, Um Desastre de Artista é também uma sincera homenagem a "um dos piores filmes de sempre" e um interessante olhar sobre o processo de criação, o criador, e a sua relação com o produto final.