Claramente inspirado pelo cinema dos irmãos Coen, nomeadamente Fargo (1996), não apenas pela partilha da protagonista e do compositor da banda sonora, mas especialmente porque nos narra uma história violenta com laivos desconfortavelmente humorísticos situada numa pequena localidade no interior dos Estados Unidos, Três Cartazes à Beira da Estrada chega-nos com toda a pompa e circunstância, com a assinatura do realizador e dramaturgo inglês Martin McDonagh que, com a sua longa-metragem de estreia, Em Brugges (2008), deixou bem vincada uma voz irreverente que não conseguiu prolongar no desequilibrado segundo filme, Sete Psicopatas (2012). Esse desequilíbrio narrativo estende-se, infelizmente, a este novo título, que começa por merecer todos os elogios que tem vindo a receber, até se espalhar por completo na sua segunda metade.
Mildred (Frances McDormand) é uma mulher profundamente magoada com a vida. Depois de se divorciar de um marido que lhe batia regularmente, teve de lidar com a dor da morte da filha, raptada, violada e queimada viva. Insatisfeita com o trabalho da polícia local na investigação do homicídio, decide alugar três enormes cartazes publicitários numa pequena estrada nas redondezas, onde escreve mensagens de protesto dirigidas à autoridade local, destacando o muito apreciado xerife (Woody Harrelson) como um dos principais responsáveis. De repente, Mildred tem de lidar não apenas com a ira do xerife e seus colegas (especialmente o racista e violento agente interpretado por Sam Rockwell), mas também com muitos dos habitantes locais, que a pressionam a retirar os cartazes.
Ao contrário do que a sua sinopse possa dar a entender, Três Cartazes à Beira da Estrada não se debruça particularmente sobre qualquer espécie de investigação policial, mas centra-se acima de tudo no drama da perda que assombra a vida de Mildred, e no seu sofrimento interno. De certa forma, ao assistir a este filme que se passa numa pequena comunidade fechada e aparentemente sem grandes traços de presença tecnológica de ponta, saltou-nos imediatamente à cabeça uma espécie de paralelismo com a realidade das redes sociais. Senão vejamos: Mildred está frustrada com as injustiças que presencia regularmente – não apenas a morte da filha, como também as histórias de brutalidade da polícia local – e faz questão de o expressar por escrito para que toda a comunidade o veja claramente, apesar de o xerife lhe dizer, repetidamente, que a polícia fez tudo o que estava ao seu alcance na investigação. Enquanto isso, a vizinhança vai dando a sua opinião pouco informada e, no meio de toda esta enxurrada de temas quentes, ninguém se entende, e a fúria torna-se crescente. Qualquer pessoa que já tenha seguido ou participado numa discussão em qualquer página do Facebook pode identificar-se perfeitamente com a situação.
O grande trunfo de Três Cartazes à Beira da Estrada está claramente no trabalho fabuloso de todo o elenco. Da fúria contida de McDormand ao charme sofrido de Harrelson, passando pela loucura imprevisível de Rockwell (este com o papel claramente mais vistoso) e a qualidade dos secundários em papéis menores, todos são excelentes, especialmente quando McDonagh lhes oferece aqueles pequenos doces em forma de diálogos que tão bem sabe escrever. O problema, no entanto, surge quando a cerca de metade da sua duração, uma destas personagens “desaparece” parcialmente da história, e o filme, tal como as restantes personagens, de resto, parece não saber o que fazer sem ela. No meio de todo o absurdo que domina algumas das sequências que, diga-se, conseguem ser absolutamente hilariantes, o drama acaba sufocado por um argumento que se começa a dispersar por caminhos pouco interessantes, porque nunca os segue com real vontade. Como se isso não bastasse, tudo culmina numa radical transformação de personalidade de uma das personagens, quase insultuosa de tão manipuladora, que serve apenas as necessidades do argumento e como um meio para tentar atingir a (forçada e não merecida) redenção.
Na verdade, torna-se algo ingrato falar de Três Cartazes à Beira da Estrada de uma forma tão negativa quando nele vemos diversos elementos particularmente inspirados. É óbvio que McDonagh está menos preocupado com qualquer espécie de realismo social propriamente dito do que em criar neste contexto uma espécie de microcosmos exagerado da sociedade americana. Mas fá-lo de uma forma tão atabalhoada e tão pouco subtil que acaba por partir o seu filme e ter muita dificuldade em colar os estilhaços e, mais grave do que isso, parece perder o respeito por algumas das personagens a caminho da linha de chegada. Fica no final um sabor amargo de desilusão.
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Summary
Acabado de chegar às nossas salas com toda a pompa e circunstância, Três Cartazes à Beira da Estrada começa por surpreender mas acaba por perder o rumo, deixando no final um travo a desilusão.