Quase todos conhecemos alguém que é bastante espirituoso, embora não apresente o mínimo talento para contar anedotas ou fazer umas graçolas. Ou é a graça que falha, ou é o timing com que é dita, embora lá tenhamos por vezes que soltar um sorriso forçado para não parecermos totalmente indelicados. Se fosse um ser humano, “Telle mère, telle fille” seria essa pessoa. É filme que quer ter graça à força e pensa ser mais engraçado do que é na realidade, que desperdiça as poucas boas ideias que apresenta, estende as piadas até estas perderem o efeito e ainda conta com uma série de personagens que soam quase sempre a falso. A espaços lá acerta, mas as ocasiões são tão raras ao ponto de questionarmos no que os envolvidos estavam a pensar quando desenvolveram esta obra cinematográfica e o que levou Juliette Binoche a integrar o elenco principal. Não é que a actriz acerte sempre nas suas escolhas, embora “Telle mère, telle fille” raramente aproveite o talento da intérprete e a sua capacidade para dominar os ritmos do humor (como demonstrou recentemente em “Ma Loute”).
A premissa do filme é muito simples: uma mãe com quarenta e sete anos de idade fica grávida ao mesmo tempo que a sua filha de trinta anos. A primeira é Mado (Juliette Binoche), uma mulher extrovertida, inconsequente, desempregada e divorciada, que se locomove quase sempre numa vespa cor de rosa, comporta-se muitas das vezes como se fosse uma criança de cinco anos de idade ou uma pré-adolescente e vive em casa de Avril (Camille Cottin), a sua filha. Esta trabalha numa empresa que fabrica detergentes e sprays para a casa de banho, gosta de planear tudo e é casada com Louis (Michaël Dichter), um indivíduo que se encontra a terminar a tese de mestrado. Mado vive na casa da filha e do genro, algo que acentua as diferenças entre a primeira e o casal, embora o trio até mantenha uma relação de alguma proximidade. A notícia da gravidez da filha mexe com a personagem interpretada por Juliette Binoche, mas a maior surpresa surge quando a segunda descobre que está grávida de Marc (Lambert Wilson), o seu ex-marido, um maestro deveras peculiar. Como reagir a esta situação? “Telle mère, telle fille” responde à questão da seguinte forma: com muita histeria e algumas doses consideráveis de simplismo.
Avril grita muito, barafusta com a mãe e exibe repetidamente o seu desagrado, enquanto a segunda pondera abortar, embora não seja capaz de interromper a gravidez. Nunca existe uma tentativa de atribuir complexidade ou despertar a dúvida em relação à decisão da protagonista, com o argumento a evitar toda e qualquer situação intrincada, seja esta relacionada com a gravidez de Mado, ou o matrimónio da filha desta com Louis, ou a dor provocada pela ausência de Marc durante uma boa parte da vida destas mulheres. Diga-se que em alguns momentos “Telle mère, telle fille” exibe ainda o vício irritante de se desinteressar por aquilo que apresenta. Note-se quando encontramos Mado de muletas, após ter caído da motorizada, algo que é descartado em segundos. Vale ainda a pena realçar o “talento” da realizadora Noémie Saglio para evitar que as piadas fluam no tempo certo. Observe-se a reunião entre Avril e um cliente da sua empresa. Existia potencial para retirar humor do entusiasmo excessivo e atrapalhado da personagem, mas tudo é estendido até a um ponto em que a comédia desaparece e apenas permanece o embaraço.
Quando deixa tudo a cozer no ritmo certo, Noémie Saglio esquece-se de alguns condimentos e lá deita tudo a perder. Por exemplo: Avril não quer que os pais de Louis (interpretados por Catherine Jacob e Philippe Vieux) saibam que Mado e Marc são divorciados, algo que leva estes dois a fingirem que são casados. Sabemos que mais tarde ou mais cedo a revelação vai ser feita e aguardamos pelo momento em que isso acontece. No entanto, esse episódio é tão insosso e sensaborão ao ponto de apenas provocar indiferença. Em alguns momentos parece que “Telle mère, telle fille” vai embrenhar-se com alguma profundidade por temáticas sobre a gravidez, a maternidade tardia, o choque de gerações, as relações entre mães e filhas, ou os receios que as decisões arriscadas provocam nas nossas pessoas, mas tudo é abordado de forma extremamente básica e previsível. A juntar a tudo isto temos ainda um conjunto de personagens secundários que variam entre a unidimensionalidade e a caricatura, sejam estes os pais de Louis, ou o próprio esposo de Avril, ou os ginecologistas que atendem as duas mulheres, ou o recepcionista da clínica.
Entre os personagens, aqueles que ainda conseguem dar um ar da sua graça em doses homeopáticas são Mado e Marc. Mérito para Juliette Binoche e Lambert Wilson, com a dupla a exibir uma química evidente e um carisma que em alguns trechos contribui para fazer com que fechemos os olhos a diversos exageros. Por sua vez, Camille Cottin conta com uma personagem que aos poucos tem de aprender a desafiar os seus receios e o seu modo de vida, com a actriz a fazer o que pode com o material que tem à disposição. Temos ainda JP, o beagle de Marc, um cão tarado que acompanha o dono para todo o lado. Se os treinadores deste beagle tiveram uma competência assinalável, já Noémie Saglio limita-se a realizar uma comédia minimamente suportável, extremamente pueril, desastrada no domínio dos ritmos do humor e incapaz de fazer com que acreditemos nos personagens ou nas situações mais sérias.
Review overview
Summary
Comédia minimamente suportável, extremamente pueril, desastrada no domínio dos ritmos do humor e incapaz de fazer com que acreditemos nos personagens ou nas situações mais sérias.
Ratings in depth
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Argumento
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Interpretação
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Produção
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Realização