Temos boas e más notícias sobre “Sonic the Hedgehog“. Comecemos pelo lado positivo, ou seja, o visual de Sonic. Este é bastante semelhante ao dos jogos do célebre ouriço da SEGA, algo que permite afastar da memória a atrocidade genérica que o estúdio apresentou nos primeiros materiais promocionais. As más notícias é que se esqueceram de refazer o argumento superficial e desinspirado de Patrick Casey e Josh Miller, uma dupla com um currículo tão obscuro como alguns dos diálogos que permeiam o filme. É certo que “Sonic the Hedgehog” nunca chega a atingir os níveis de mediocridade de “Super Mario Bros.”, uma fita que traz tão gratas recordações como uma intoxicação alimentar. O problema é que a obra cinematográfica realizada por Jeff Fowler raramente desperta algo para além de indiferença ou letargia. Falta energia e alma a este filme. Falta um argumento capaz de escapar aos lugares-comuns ou que seja competente a jogar com os mesmos. Falta alguém que diga a Jim Carrey que o seu Robotnik é uma caricatura que nunca escapa aos gestos exagerados e aos delírios egocêntricos do intérprete. A estrela de “The Mask”, “Ace Ventura” e “Dumb and Dumber” precisa regularmente de um realizador que controle os seus ímpetos. Jeff Fowler deixa-o à solta, sem rédea curta, pronto a contribuir para que sejamos assolados por uma sensação de cansaço e pela percepção de que já vimos o actor a fazer estas graçolas em outras fitas e de forma mais eficaz.
O enredo segue em parte a estrutura dos jogos de computador nos quais temos de ultrapassar níveis de diferentes graus de dificuldade para chegarmos ao ansiado embate com o “boss”, que é como quem diz, ao confronto com o antagonista principal ou com algum vilão poderoso. No caso, a película começa in media res, com o Dr. Robotnik a perseguir Sonic em plena San Francisco, até recuarmos para o período em que este último veio parar ao planeta Terra. Ao provocar inadvertidamente um desastre eléctrico, o velocista azul passa a ser perseguido pela personagem interpretada por Jim Carrey, um cientista tresloucado que é contratado pelo Governo. É então que o ouriço passa a contar com a ajuda de Tom Wachowski (James Marsden), um xerife de Green Hills que se prepara para deixar a pequena cidade, tendo em vista a abraçar uma nova aventura profissional em San Francisco. Aos poucos a dupla começa a formar amizade, enquanto procura escapar ao antagonista e recuperar os anéis que Sonic perdeu. Estes permitem que o protagonista viaje de um local para outro, desde que pense nesse sítio, ainda que prefira deslocar-se inicialmente para a habitação do representante da autoridade que partilha o apelido com as criadoras de “The Matrix”. O pouco carismático James Marsden não compromete nem deslumbra como este xerife de bom coração que protagoniza uma série de episódios que variam entre o cómico e o perigoso ao lado da figura do título.
Um desses trechos envolve uma perseguição e fuga pelas estradas, com Robotnik a recorrer a um sem-número de veículos e aparelhos para capturar ou eliminar o famoso símbolo da SEGA. Diga-se que o momento mencionado estende-se ad nauseam e demonstra mais uma vez a incapacidade dos envolvidos em criarem algo palpável, em despertarem uma verdadeira sensação de perigo em volta do futuro do protagonista. Pelo meio não faltam referências associadas à cultura popular a serem atiradas de forma massiva, numa ânsia incontida de “Sonic the Hedgehog” tentar ser engraçado e actual. O argumento está longe de merecer louvores, sobretudo se pensarmos na parca espessura das personagens, ou no humor simplista que rodeia diversos trechos. É certo que algumas situações funcionam, tais como o episódio no bar onde Sonic e Tom se envolvem numa enorme confusão, ou a ligação entre estas duas figuras. Porém, é tudo demasiado simplista. A espaços esperamos que o argumento aproveite o facto de Sonic ser alguém que veio de fora e é perseguido para efectuar uma espécie de metáfora sobre os migrantes ou a imigração ilegal, ou desenvolva um pouco mais a relação do protagonista com o seu território de origem, mas não é isso que acontece. Os produtores ainda tentam piscar-nos o olho em relação ao futuro, ao deixarem diversas portas abertas, quais ganchos que procuram amenizar possíveis animosidades em relação à fita, embora essa perspectiva de um tempo vindouro mais gracioso para o ouriço não chegue para tirar a fragância a bafio que permeia a obra.
Sonic fala, fala, fala ao longo do filme. Tem vários ataques de verborreia que tanto contam com alguma piada como despertam cansaço. Não chega ao nível da irritação que Jim Carrey provoca quando começa a reciclar material e a exibir um ego da dimensão da sua preguiça, ou seja, enorme. No entanto, é notório que os responsáveis pelo filme não conseguiram explorar as potencialidades do protagonista. A juntar ao que já mencionámos, temos uma série de personagens secundárias cujas especificidades variam entre o insonso e a irrelevância, bem como uma insipiência enorme na abordagem às consequências relativas à destruição causada por Robotnik. Sim, estamos diante de uma película destinada aos mais jovens, mas essa não pode ser uma justificação para todo esta ignávia e artificialidade. O que não chega para estragar por completo a experiência de visionar esta adaptação relativamente suportável. Não é um dos adjectivos mais simpáticos para atribuir a um filme, mas “Sonic the Hedgehog” também não parece almejar mais do que isso. Poderia ter conseguido muito mais, embora fique sempre pelo poucochinho. Salva-se o visual de Sonic.
Review overview
Summary
Ratings in depth
-
Argumento
-
Interpretação
-
Produção
-
Realização