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Sing Street

de John Carney

perfeito

Um conto de fadas moderno e musical que é desde já o melhor filme que quase ninguém vai ver este ano.

 

Conheci John Carney em 2007 com Once – No Mesmo Tom, um filme de baixo orçamento que contava a história de um romance entre um músico fura-vidas de Dublin e uma imigrante que florescia na sequência da música que criavam em conjunto. No Mesmo Tom é memorável, não só pela abordagem realista e discreta ao romance, como pelo facto da música que está no centro do mesmo ser da autoria dos dois actores nos principais papéis, Glen Hansard e Markéta Irglová. Goste-se mais ou menos da banda sonora, e na minha opinião esta sobrevive ao filme, é notória a paixão do autor pela música e, tanto ou mais importante, pelo seu processo criativo. Há algo de mágico em assistir ao momento da revelação em que tudo começa a fazer sentido e música e letra se fundem em sinergia artística. 2013 viu estrear novo filme de Carney, Begin Again, que algum génio do IGAC resolveu chamar de Num Outro Tom, para fazer panelinha com o título de No Mesmo Tom. Confesso que ao ver Keira Knightley e Mark Ruffalo no que parecia ser uma revisão americana dos temas de Once me impediram de ver este filme, mas talvez me tenha precipitado e este mereça uma olhadela à luz do mais recente Sing Street.
Vou abrir já o jogo: Sing Street é a minha primeira grande surpresa de 2016 e o melhor filme que quase ninguém vai ver este ano, dada a sua parca distribuição nacional. Com traços autobiográficos de Carney conta a história de Conor, um adolescente em Dublin nos anos oitenta que, na sequência da sua transferência de escola para fazer frente à dificuldade financeira da sua família, decide juntar uma banda musical, inspirado pelo seu irmão mais velho e pelos videoclips da MTV, com o objectivo de impressionar Raphina, uma rapariga mais velha por quem se apaixona. Apesar do enquadramento social, com a Irlanda a passar dificuldades económicas e a Inglaterra como um destino apetecido para quem ambiciona fazer algo com a sua vida, tão perto mas ao mesmo tempo tão inacessível, bem como um sistema de ensino que parece comprovar os cenários de pesadelo cantados pelos Smiths nessa mesma década, Sing Street não é um filme de realismo social, estilo britânico por excelência, sendo mais um conto de fadas moderno, com um tom ligeiro e bem disposto, que se foca na ambição genuína e na força de vontade de Conor em perseguir os seus sonhos.
Carney capta na perfeição o poder da paixão pela música e volta a mostrar-se interessado pelo processo criativo por trás da música. Cada nova criação dos Sing Street, nome da banda que Conor reune e que dá título ao filme, reflecte uma nova influência musical com os diferentes elementos do grupo a adoptarem o respectivo estilo visual: desde Duran, Duran, passando por The Cure ou Spandau Ballet, cada nova fase reflecte uma nova descoberta. Estas músicas, escritas por Carney com a colaboração do veterano Gary Clark, parecem genuínas amostras da pop dos anos oitenta e proporcionam excelentes momentos musicais no filme, seja na gravação amadora de telediscos com a colaboração de Raphina, enquanto musa do grupo, nos ensaios caseiros da banda, ou no seu primeiro concerto ao vivo no baile da escola. Diz-se que não existe arte sem desejo e Conor traduz o seu em letras que, ao serem musicadas em colaboração com Eamon, reflectem algo de real e reconhecível e que irá fazer Raphina, misteriosa, indecifrável, mas claramente intrigada, gravitar no seu sentido. Esta capacidade de Conor de processamento do mundo que o rodeia é ilustrada logo na cena de abertura onde, ao tentar escrever letras no quarto ao som de uma discussão entre os pais, incorpora os insultos que penetram a sua porta fechada na escrita das suas canções.
Um dos trunfos de Sing Street é a consistência do seu tom, apesar do aprofundar de algumas cicatrizes e frustrações, não só de Conor, como também de Raphina e, especialmente, do seu irmão Brendan, inspiração e força motriz para Conor seguir os seus sonhos, e que vê neste uma oportunidade para concretizar aquilo que o próprio não conseguiu. Sendo esta uma experiência positiva e inspiradora desculpam-se alguns elementos menos conseguidos em benefício do conto de fadas proposto por Carney, tais como a falta de profundidade do elenco secundário, o desfecho inverosímil da narrativa do bully Barry ou o optimismo romântico da sequência final. Pormenores que, dada a alegria e boa vontade que o realizador e elenco demonstram, são facilmente perdoados e que não diminuem em nada a experiência que recomendo sem reservas, não só a quem tenha paixão pela música ou pelos anos oitenta, mas também a toda a gente a quem corra sangue quente pelas veias.

Review overview

Summary

Sing Street é contagiante na sua paixão pela música e no seu entusiasmo pela perseguição dos nossos sonhos. Obrigatório!

Ratings in depth

  • Argumento
  • Interpretação
  • Produção
  • Realização
5 10 perfeito

Comentários

Written by António Araújo

Cinéfilo, mascara-se de escritor nas horas vagas, para se revelar em noites de lua cheia como apaixonado podcaster.

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