A primeira longa-metragem de Camille Vidal-Naquet é um incisivo conto de desumanização no exemplo da vida de um prostituto francês.
Quando, na sequência inicial de Sauvage, vemos uma simulação de uma consulta médica, que logo descobrimos ser um roleplay entre um homem mais velho e um prostituto de 22 anos, o qual termina perguntando ao seu cliente se ele por acaso até sabe de medicina e o pode ajudar, aprendemos imediatamente muito sobre o filme de Camille Vidal-Naquet.
Membro da Aux captifs la libération, uma associação cristã que procura ajudar pessoas sem-abrigo, Camille Vidal-Naquet tem experiência directa com o mundo de pobreza e debilidade (social, emocional, e mesmo física) no qual vivem as personagens da sua primeira longa-metragem. Esse à vontade resulta num realismo (por vezes de câmara ao ombro, com luz natural, e numa colagem de momentos que não procuram ser uma narrativa linear), onde não se precisa de explicação, e tudo nos chega por actos simples, como os referidos acima. Através deles, vamos conhecendo Léo (Félix Maritaud), um jovem que dorme onde calha, se prostitui com quem calha, come se calha, e vai andando à deriva sem objectivos, a não ser a ligação ao parceiro Ahd (Éric Bernard), uma pessoa bem mais cínica e calculista em relação à actividade que lhes traz dinheiro, e que o abandonará por uma solução financeiramente mais promissora, repetindo que apenas por dinheiro tem relações com homens.
E há um pouco de ambas as visões no filme de Vidal-Naquet: terno e frágil por vezes, como Léo; frio e cínico noutras, como Ahd. Sempre a meio caminho entre a inocência o desespero, e com alguma crueldade pelo meio, Sauvage é um retrato diferente de uma sociedade que marginaliza quem não se integra, e de pessoas que, sem estabilidade social ou emocional, não sabem (não podem ou não querem) almejar a um quebrar de rotinas auto-destrutivas e ao evitar de erros recorrentes (Léo nem percebe – ou assim finge – em que doenças incorre, muito menos que o abuso de drogas pode ser nocivo).
Com uma interpretação soberba de Félix Maritaud, Léo não procura nunca salvação ou redenção, mesmo quando parece que pode ser reencaminhado de uma forma que o privilegie. Foge de quem o quer proteger, procura quem o maltrata, quase num cristão expiar de culpas e busca de martírio, mas que pode ser apenas fuga para uma ilusão de um controlo sobre si mesmo. Por isso ainda, o sexo (explícito nalgumas sequências) é desprovido de qualquer erotismo ou embelezamento, é quase sempre sintoma de fraqueza (até dos clientes – do paraplégico, débil fisicamente, ao assaltado no domicílio, ou ao protector insultado), e às vezes resulta em violência e humilhação. Por isso, também, Sauvage é um conto de desumanização, onde não nos interessam as causas, apenas a descrição de momentos (tal como o abraço inesperado e sentido de Léo à médica que o trata demonstra), nos quais a preocupação do autor parece ser humanizar ao máximo o seu protagonista, nas suas fraquezas, escolhas erradas, busca de um afecto com o qual não sabe lidar, e desespero contínuo e sem solução.
Review overview
Summary
Com uma interpretação soberba de Félix Maritaud, Sauvage, a primeira longa-metragem de Camille Vidal-Naquet, brilha pelo realismo despudorado com que inocência, romantismo e desumanização e humilhação são tratados num mundo onde sexo e afectos são apenas moedas de troca.
Ratings in depth
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Argumento
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Interpretação
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Produção
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Realização