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[Queer Lisboa 2018] Marilyn

de Martín Rodríguez Redondo

muito bom

Marilyn baseia-se em acontecimentos verídicos para contar uma história trágica em que a ruralidade e a intolerância constrangem a partir do próprio seio familiar.

 

Marilyn é mais uma estreia auspiciosa nas longas metragens, neste caso de Martín Rodríguez Redondo, nascido em Buenos Aires em 1979, formado pelo Centro de Investigação Cinematográfica de Buenos Aires e produtor dos documentários Kosice Hidroespacial, de Gabriel Saie, e Barrio Modelo, de Mara Pescio. Marcos (Walter Rodríguez) é um jovem de dezassete anos que vive com a família numa quinta. Enquanto o pai, Carlos (Germán de Silva), e irmão, Carlitos (Ignacio Giménez) fazem as tarefas mais pesadas, Marcos fica em casa junto da mãe, Olga (Catalina Saavedra). As dinâmicas familiares são imediatamente estabelecidas no mesmo registo telegráfico e directo que o realizador manterá ao longo de todo o filme. Olga é rígida e tensa, notando-se imediatamente um instinto protector em relação a Carlitos e um postura defensiva e repreendedora em relação a Marcos, como se a sua sexualidade — transgressora dos valores fav mãe, bem como dos da comunidade local — fosse uma ameaça que paira a família e Olga, apenas pela força da sua estoicidade e obstinação, fosse capaz de a contrariar. Curiosamente, Carlos revela empatia pelo filho, revelando ambicionar para ele algo mais que a vida de caseiros que levam. Quando o pai morre subitamente, deixa a família num estado vulnerável, sendo imediatamente pressionada para abandonar a quinta.

Mas o despontar sexual de Marcos está em marcha, bem como a necessidade de afirmar-se no que respeita à sua identidade, e aproveita o Carnaval para se desinibir e soltar das amarras do dia-a-dia — é impressionante a transformação de Walter Rodríguez, constantemente subjugado nas suas interacções com terceiros, completamente transformado nas cenas em que, de vestido e peruca, dança alegremente, momentaneamente vivendo como sonha dissimuladamente, naquele que é provavelmente o segredo mais mal guardado da aldeia. Infelizmente, acaba a noite a ser alvo de uma hedionda violação às mãos de quem, agindo num fervor alimentado pela intolerância, se entrega ao mesmo acto que condena forçando a sua própria confusão sexual sobre quem, noutra circunstância, teria consentido de bom grado. O que é já de si trágico, torna-se ainda mais opressor com a chegada a casa, onde Olga vê os seus medos confirmados e, com a ajuda passiva de Carlitos, inicia uma campanha de castigo, opressão e repressão de Marcos.

Perante a possibilidade da família se mudar do ermo em que mora para uma nova casa na cidade, há um vislumbre de esperança, de fuga, e de modernidade — o alcatrão da estrada que leva à quinta acaba literalmente antes do seu destino, como se a civilização terminasse naquele ponto. Vemos Olga sorrir por breves instantes, e Marcos encontra em Fede (Andrew Bargsted), um rapaz da mercearia local, uma possibilidade de amor. Mas o banco recusa o empréstimo, e o jovem, deslumbrado pela alegria que lhe enche o coração, apresenta Fede à família, como se a evidência dos seus sentimentos validasse a sua relação perante o irmão (de quem Marcos confessa não querer saber) e a mãe (de quem Marcos continua à procura de validação). Este é o momento de viragem em que, contra as suas esperanças, o ressentimento familiar atinge o seu pináculo e o cerco castrador aperta.

Quando a tragédia chega, é, de certa forma, sem surpresa — apesar de ser subtilmente anunciado pelas acções das personagens e não por um qualquer artifício da realização. Martín Rodríguez Redondo nunca trai a natureza dos momentos que encena e capta-os com o rigor de um documentarista e o calor de um humanista sem nunca manipular os espectadores — abdicando inclusivamente de banda sonora não diegética. Marilyn é um documento de uma realidade que infelizmente talvez ainda esteja muito longe de desaparecer; mostra as consequências da insularidade e da falta de comunicação, e as formas insidiosas como estas contribuem para a rejeição, a incompreensão e a falta de empatia.

Review overview

Summary

Marilyn é um documento de uma realidade que infelizmente talvez ainda esteja muito longe de desaparecer; mostra as consequências da insularidade e da falta de comunicação, e as formas insidiosas como estas contribuem para a rejeição, a incompreensão e a falta de empatia.

Ratings in depth

  • Argumento
  • Interpretação
  • Produção
  • Realização
3.5 10 muito bom

Comentários

Written by António Araújo

Cinéfilo, mascara-se de escritor nas horas vagas, para se revelar em noites de lua cheia como apaixonado podcaster.

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