Com uma barbatana na realidade e outra na fantasia, “Blue My Mind” aborda uma série de temáticas relacionadas com a adolescência, uma fase onde tudo parece ser vivido e sentido com uma intensidade assinalável. Imensas descobertas são efectuadas, a relação com o corpo conta com especificidades muito próprias e existe uma necessidade de afirmar a personalidade, que o diga Mia (Luna Wedler), a protagonista de “Blue My Mind”, uma adolescente que se encontra prestes a completar dezasseis anos de idade. Esta não só tem de lidar com uma miríade de problemáticas e questões próprias da idade, mas também com uma mudança de escola, algo que se deve ao facto dos progenitores (interpretados por Regula Grauwiller e Georg Scharegg) terem mudado de casa. A relação da jovem com os pais é marcada por um certo distanciamento e frieza. É certo que estes lhe dão tudo, mas existe uma barreira que os separa e permite a “Blue My Mind” envolver-se por assuntos relacionados com os choques geracionais, os problemas entre pais e filhos e as dificuldades de comunicação entre os mesmos.
Essas diferenças e constantes altercações contribuem e muito para que a protagonista acredite que é adoptada, sobretudo quando o seu corpo começa a sofrer um conjunto de modificações que mexem com as suas rotinas e os seus comportamentos. A realizadora e argumentista Lisa Brühlmann explana essas alterações de modo gradual e extremamente convincente, enquanto reúne na justa medida uma série de ingredientes que trazem a fantasia para o interior do realismo e da naturalidade que pontuam diversos pedaços do enredo. Essa situação torna-se particularmente latente quando Mia começa a ser confrontada com mudanças inesperadas no seu corpo. Note-se os dedos que se unem, ou o ímpeto voraz para comer peixe, ou as escamas que começam a aparecer nas suas pernas. A relação dos adolescentes com o corpo nem sempre é pacífica. No caso da protagonista de “Blue My Mind” essa relação ganha um fulgor acrescido devido ao facto da jovem estar a lidar com uma situação inesperada e aparentemente incontrolável, algo que intensifica as suas inseguranças e inquietações.
Luna Wedler explana eficazmente a forma conturbada como a sua personagem lida com o corpo, bem como as tentativas que esta efectua para esconder a sua nova condição daqueles que lhe são próximos, com a jovem intérprete a contar com um desempenho bastante positivo. Se em casa a protagonista assume uma postura maioritariamente solitária e pouco dialogante, já no espaço da escola a conversa é outra. Note-se os esforços para formar amizade com os elementos mais populares, em particular, com o grupo de Gianna (Zoë Pastelle Holthuizen), uma adolescente rebelde que se envolve numa série de peripécias que roçam a ilegalidade. Zoë Pastelle Holthuizen insere uma atitude extrovertida, provocadora e problemática à sua Gianna, uma jovem que desafia regularmente as regras, recebe pouca atenção por parte dos pais e forma amizade com a protagonista. As duas protagonizam vários episódios pontuados pela transgressão das regras e alguma amizade, seja a consumirem drogas, a assaltarem um centro comercial, ou a divertirem-se em saídas nocturnas, ou a lidarem com situações intrincadas, enquanto as suas intérpretes exibem dinâmicas deveras convincentes.
A juntar a tudo isto, Mia encontra-se ainda a efectuar descobertas do foro sexual. Note-se o encontro que marca com um desconhecido extremamente mais velho, ou os encontros fugazes com rapazes da sua idade, ou os vídeos pornográficos que visiona, com o argumento a abordar a sexualidade feminina e o quanto as alterações físicas da protagonista influenciam os seus comportamentos com os rapazes e aqueles que a rodeiam. Diga-se que esta faceta mais associada ao fantástico permite que Lisa Brühlmann se envolva pelos meandros do body horror, enquanto deixa vários sinais que indicam a possibilidade de existir uma conexão de Mia ao mar. Observe-se o forte destaque atribuído ao aquário na casa da protagonista, ou a predominância de tons azuis em diversas divisórias desta habitação, uma tonalidade que está não só associada à água, mas também a uma certa sensação de monotonia ou frieza. Essa sensação é reforçada pela decoração da habitação, bem como pelos comportamentos deste núcleo familiar, algo que permite realçar novamente a abordagem precisa de temáticas que envolvem a falta de comunicação entre pais e filhos.
Se o destaque à cor azul reforça essa ligação da jovem ao mar, já a presença de tonalidades que variam entre o roxo e o vermelho contribuem para realçar outros elementos. O tom roxo aparece em destaque num trecho pontuado por uma certa sensação de libertação, companheirismo e até alguma inocência. Já a tonalidade vermelha é realçada num momento de maior inquietação. Tanto uma como outra cor são destacadas através do uso preciso da iluminação e em situações que envolvem saídas nocturnas da protagonista, com estes eventos a contarem com doses assinaláveis de convívio, jogos de sedução e muito consumo de álcool, tabaco e drogas. Diga-se que a iluminação é usada ainda com enorme precisão em alguns trechos pontuados por um certo lirismo, com “Blue My Mind” a misturar crueza e poesia, realismo e fantasia, sempre tendo a jovem Mia no centro de boa parte dos acontecimentos.
Em certa medida, “Blue My Mind” dialoga com “Hylas und die Nymphen”, uma curta-metragem realizada por Lisa Brühlmann. Ambas contam com uma faceta associada à fantasia, abordam a sexualidade das mulheres, exibem uma ligação forte entre as protagonistas e a água, embora a curta-metragem conte ainda com um lado delirante e uma clara inspiração em “Rashomon” e no quadro “Hylas and the Nymphs” de J.W. Waterhouse. “Hylas und die Nymphen” deixa-nos perante uma cineasta com ideias interessantes e a ter em atenção, enquanto “Blue My Mind” demonstra alguma maturidade da realizadora e a certeza de que se saiu bastante bem na sua primeira longa-metragem. Tal como Mia começa a ser consumida por impulsos incontroláveis, também esta obra tem uma capacidade notável para provocar um forte efeito e abordar as inquietações de uma adolescente, com Lisa Brühlmann a utilizar a fantasia para explorar algumas temáticas que entroncam na realidade e a demonstrar uma mestria assinalável na sua estreia na realização de uma longa-metragem.
Review overview
Summary
Lisa Brühlmann utiliza a fantasia para explorar algumas temáticas que entroncam na realidade e demonstra uma mestria assinalável na sua estreia na realização de uma longa-metragem.
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Argumento
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Interpretação
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Produção
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Realização