A razão, a lógica, o pragmatismo, o tempo e o espaço são desafiados pelo amor e pela amizade em “Tenki no ko” (em Portugal: “O Tempo Contigo”), a nova longa-metragem de Makoto Shinkai. Tal como em “Kimi no Na wa.”, o cineasta deixa-nos diante de um filme de animação dotado de romantismo e sensibilidade, pontuado por uma série de elementos associados ao fantástico, aos mitos e aos ritos. Em alguns momentos ameaça esticar a corda e exagerar nos devaneios adocicados, mas rapidamente somos contagiados pelo charme, humor e enorme coração deste romance onde a chuva e as nuvens cinzentas não conseguem enregelar o fervor de um amor que não se deixa amedrontar pelas adversidades. Makoto Shinkai consegue que acreditemos na ligação forte que se forma entre os protagonistas, na química que existe entre ambos, na mescla de maturidade e imaturidade que pontua os seus actos. Na adolescência muito é vivido e sentido de modo intenso. Tudo é novo, tudo está a ser descoberto, tudo parece ganhar um sentido de urgência, que o digam Hodaka (Kotaro Daigo) e Hina (Nana Mori), as personagens principais de “Tenki no ko”. O primeiro é um adolescente de dezasseis anos de idade, que fugiu de casa em direcção a Tóquio. A segunda está prestes a completar dezoito anos de idade, trabalha desde a morte da mãe e procura cuidar de Nagi (Sakura Kiryu), o irmão mais novo.
O território de Tóquio onde estes vivem é pontuado por nuvens cinzentas, chuva constante e uma certa sensação de incerteza, ou não estivéssemos perante uma urbe que tanto potencia como coarta a concretização dos sonhos. A equipa de animação é exímia a reunir o real e o fantástico, a despertar uma certa sensação de encanto, bem como a realçar os espaços e as especificidades desta cidade. Note-se as diversas lojas, as ruas recheadas de néones e a capacidade destes lugares em reunirem no seu interior a modernidade e a tradição. É na capital japonesa que Hodaka consegue um emprego mal remunerado, em particular, na pequena editora de Keisuke (Shun Oguri), um indivíduo aparentemente descontraído, com quem fica a viver no local de trabalho. Neste espaço, conhece Natsumi (Tsubasa Honda), a sobrinha do chefe, uma jovem extrovertida e afável, que também labora na pequena publicação. O trio forma uma relação de proximidade e amizade, enquanto procura recolher histórias sobre lendas urbanas. Por sua vez, Hina pondera trabalhar num clube nocturno, mas é travada de forma enérgica pelo protagonista, com quem travara conhecimento no anterior local de trabalho. É um momento-chave para a relação desta dupla. Os laços entre ambos fortalecem-se com o avançar do enredo, sobretudo quando começam a trabalhar juntos, em particular, a aproveitar os poderes da adolescente como um meio para ganhar fundos e trazer a felicidade para aqueles que a rodeiam.
Hina consegue travar temporariamente a chuva e trazer o bom tempo. Também transporta calor para o interior do quotidiano de Hodaka, um rapaz rebelde, que fugiu de casa dos pais em busca de algo que nem o próprio parece saber. Os dois desafiam o tempo, o destino e a sensatez, enquanto conquistam-se e conquistam-nos. O argumento desenvolve a relação de ambos, ao mesmo tempo em que os coloca em situações que variam entre o perigo e a calmaria, o drama e o humor, sempre com alguns ingredientes do realismo mágico à mistura. A capacidade da jovem controlar o tempo permite acentuar essa faceta associada ao fantástico de “Tenki no ko”, com Makoto Shinkai a exibir uma precisão assinalável a conjugar os assuntos bem reais com as improbabilidades que permeiam o enredo. Diga-se que o cineasta é ainda bastante eficaz a conseguir que as personagens secundárias ganhem dimensão e relevância. Observe-se o caso de Natsumi, uma jovem adulta com enorme sentido de humor, ou o simpático Nagi, um rapaz que mantém uma ligação forte com a irmã. Outro dos elementos em destaque é Keisuke, um editor que tenta esconder um desgosto que deixou marca. Este surge quase como uma figura paterna para o protagonista, ou ambos não contassem com alguns traços em comum, tais como a impulsividade e o facto de terem fugido bastante novos de casa.
Em determinado ponto do filme, encontramos Hodaka, Hina e Nagi no interior do quarto de um hotel de luxo. A tempestade parece aproximar-se, mas os momentos de felicidade que o trio vive neste lugar fazem com que o adolescente anseie que nada mude. Estamos diante de um dos diversos trechos de “Tenki no ko” em que quase tudo funciona, dotado quer de uma mescla de romantismo e melancolia, quer de demonstrações dos laços fortes que se formam entre estas figuras. É na construção destas personagens e das suas dinâmicas que está a pedra de toque desta longa-metragem marcada por um romantismo contagiante. No entanto, tal como qualquer película, “Tenki no ko” escorrega em um ou outro momento. A espaços alguns temas carecem de desenvolvimento (a relação do protagonista com os pais é exemplo disso), um punhado de diálogos prima pela repetição, ainda que estes tropeços não ofusquem o brilho desta belíssima obra. Makoto Shinkai já tinha demonstrado a sua perícia em criar filmes recheados de sentimento. “Tenki no ko” não é diferente, ou não estivéssemos perante uma fita que consegue aquecer o coração e fazer com que o pragmatismo seja dominado pelo romantismo, pontuada por uma banda sonora capaz de dialogar com a atmosfera calorosa do enredo, enquanto somos apresentados a um romance entre dois jovens dotados de personalidade e de uma enorme capacidade de despertarem a nossa simpatia.
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