Cinquenta e quatro anos depois, somos novamente visitados por Mary Poppins que regressa para nos brindar com um espectáculo musical recheado de encantamento e imaginação, relembrando-nos a magia esquecida do espírito infantil.
Apesar de ter críticos a torcerem o nariz à data de estreia em 1964, Mary Poppins tornou-se ao longo dos tempos num clássico para toda a família e uma das referências das produções de qualidade da Disney. Celebremente inspirado nos livros de P. L. Travers e contando com Julie Andrews e Dick Van Dyke a iluminarem as canções compostas pela dupla de irmãos Richard e Robert Sherman, Mary Poppins oferecia doses de puro encantamento infantil em sequências que tiravam proveito do estado da arte dos efeitos-especiais à data, incluindo um momento inspirado em que se colocavam personagens de carne-e-osso a interagirem com um ambiente e outras personagens animadas, tudo isto regado com doses generosas de música e coreografias inesquecíveis.
Quando foi anunciada uma sequela, esta notícia foi recebida com algum cepticismo. Será possível voltar a capturar a magia de um filme com o qual gerações inteiras convivem há mais de meio século? Como fazer esquecer a icónica interpretação de Julie Andrews? Com o anuncio de Rob Marshall ao leme do projecto, a primeira boa notícia foi a contratação da luminosa e talentosa Emily Blunt para o principal papel, logo seguida do anúncio do envolvimento de Lin-Manuel Miranda, o génio responsável pelo sucesso da Broadway Hamilton, no papel de Jack, uma personagem análoga ao Bert de Van Dyke. Com um elenco complementado por Meryl Streep, Colin Firth, Ben Wishaw e Emily Mortimer — com breves cameos de Angela Lansbury e do próprio Dick Van Dyke —, e a música a ser composta por Marc Shaiman, com letras do próprio em parceria com Soctt Wittman, as coisas começavam-se a compor para a inesperada sequela.
Estamos de regresso a Londres, desta vez em 1935, no auge da Grande Depressão. Michael Banks vive na casa em que cresceu com os filhos Annabel, John e Georgie. Destroçado pelo falecimento recente da mulher, Kate, Michael é ajudado pela irmã Jane e pela governanta Ellen. No entanto, Michael vê-se em maus lençóis quando o proprietário do banco William Weatherall Wilkins envia os seus associados para avisá-lo de que perderá a casa caso o empréstimo que contraiu para fazer face às despesas não seja reembolsado até à sexta-feira seguinte. Michael e Jane lembram-se que o seu pai deixou as ações do banco que podem cobrir o empréstimo e revistam a casa à procura do certificado que comprova a propriedade das acções. Durante a busca infrutífera, Michael encontra um antigo papagaio de papel que deita fora. Entretanto, ao passearem pelo parque, as crianças encontram o papagaio levado pelo vento e Georgie decide lançá-lo, levantando voo em direção às nuvens. Puxado de volta com a ajuda de Jack, um acendedor de lampiões, o papagaio revela Mary Poppins, que desce dos céus e decide cuidar das crianças Banks, incluindo também os três filhos de Michael.
Logo às primeiras notas da cena de abertura em que somos introduzidos à personagem de Jack, podemos perceber que estamos em boas mãos. Nitidamente este é o produto de uma equipa que conhece e respeita profundamente o filme original e O Regresso de Mary Poppins consegue a proeza de lhe ser absolutamente fiel e familiar ao mesmo tempo que é algo de novo e diferente. É certo que é uma sequela fruto dos tempos que vivemos em que, mais do que a vontade de fazer algo diferente, há uma reverência e uma constante referência ao que veio antes, porém dificilmente se encontrará um exemplo melhor conseguido desta repetição de fórmula do que aqui.
É certo que ajuda ter uma relação duradoura com Mary Poppins, e há um inegável sentimento de nostalgia envolvido, mas este é exacerbado pela soberba direcção de arte que recria na perfeição cenários como a rua de Cherry Tree Lane, por exemplo. Apesar da história mais convencional, com um vilão definido e uma corrida contra o tempo, a estrutura do original é respeitada e existe um número musical análogo a cada um dos momentos daquele filme, incluindo sequências da mais pura fantasia — nomeadamente o banho das crianças — e a obrigatória entrada num mundo animado — desta vez envolvendo uma taça de cerâmica. E, milagrosamente, as músicas oferecem logo à primeira audição um sentimento de familiaridade e de perfeita consistência com as canções que conhecemos de cor e salteado. Além disso, narrativamente, são introduzidos temas de perda verdadeiramente tocantes e abordados em sensíveis momentos musicais que poderão obrigar a que se entre na sala de cinema com um pacote de lenços no bolso. No entanto, chegados ao final, o sentimento de esperança é incontornável e a boa-disposição dos últimos momentos é contagiante.
A interpretação de Emily Blunt é afectada e teatral, emulando a caracterização de Julie Andrews, mas oferecendo uma leitura ligeiramente diferente da personagem. Blunt afirma não ter estudado o filme original depois de lhe ter sido oferecido o papel, optando por voltar aos textos de P. L. Travers, e o resultado é uma Mary Poppins um pouco menos calorosa, no entanto devidamente imperial e vaidosa, um pouco impertinente e aparentemente pouco emocional, escondendo os seus sentimentos e minimizando os seus feitos. Lin-Manuel Miranda veicula também o espírito de Van Dyke, novamente com um sotaque cockney duvidoso, e o seu talento é inegável, sendo um elemento decisivo para o sucesso dos números musicais.
O Regresso de Mary Poppins não é praticamente perfeito em todos os sentidos — há alguns elementos a apontar, nomeadamente envolvendo anacrónicas acrobacias em bicicletas e um pormenor narrativo envolvendo dois centavos que roubam a força e o objectivo que tinham no original. Apesar disso, e quando a fé na Disney continua a esmorecer de dia para dia com uma crescente comercialização da nostalgia que se traduz nos intermináveis remakes em carne-e-osso da sua filmografia de animação, este é um exemplo de sucesso de como se pode olhar para o passado sendo reverencial e refrescante ao mesmo tempo. Prognósticos só no final, mas aposto que estamos perante mais um clássico que irá perdurar na memória de muitas e novas gerações.
Review overview
Summary
O Regresso de Mary Poppins é um exemplo de sucesso de como se pode olhar para o passado sendo reverencial e refrescante ao mesmo tempo. Prognósticos só no final, mas aposto que estamos perante mais um clássico que irá perdurar na memória de muitas e novas gerações.
Ratings in depth
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Argumento
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Interpretação
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Produção
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Realização