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O Outro Lado da Esperança

de Aki Kaurismäki

muito bom

A presença do fumo emanado pelos cigarros é largamente sentida ao longo de “Toivon tuolla puolen” (O Outro Lado da Esperança). É um vício para os personagens e um recurso fundamental para Aki Kaurismäki, ou este sombreado cinzento que enevoa os cenários não permitisse adensar a faceta efémera de alguns episódios e sentimentos, ou reforçar a incerteza em volta do destino dos protagonistas. Note-se um jogo de póquer que sobressai quer pelas expressões sérias e os diálogos concisos dos intervenientes, quer pela fumaça que rodeia o cenário onde Wikström (Sakari Kuosmanen), um dos protagonistas, decide apostar o dinheiro que ganhou após ter vendido o recheio do seu negócio. A inquietação rodeia este momento que é elevado pelo sublime trabalho de fotografia de Timo Salminen, pronto a deixar que a presença do fumo nunca seja esquecida e a incerteza paire pelo ar, enquanto Sakari Kuosmanen expõe algumas particularidades deste personagem. 

Kuosmanen imprime um olhar questionador e penetrante ao personagem que interpreta, bem como uma faceta séria e directa, quase desprovida de expressões, mas não totalmente despojada de sentimentos quentes. No início do filme encontramos Wikström a separar-se da esposa (Kaija Pakarinen), uma mulher alcoólica. O fumo dos cigarros, o álcool e o silêncio pontuam este episódio, com os gestos destes personagens a explanarem de forma paradigmática a distância que marca a relação, enquanto ficamos diante de alguns traços das suas personalidades. Não existem gritos, tensão ou raiva, simplesmente o desapego, com Kaurismäki a realçar o poder do silêncio. Mais tarde, o nosso protagonista decide adquirir um restaurante manhoso, que conta com um retrato de Jimmy Hendrix e um grupo peculiar de funcionários, embora nem sempre pareça estar preparado para gerir este espaço. É um cenário de relevo, decorado e aproveitado de forma certeira, que Wikström procura tornar financeiramente rentável, um desiderato que proporciona algumas peripécias dotadas de humor.

 A interacção entre o personagem principal e os funcionários é algo que funciona imenso e contribui para alguns trechos cómicos dignos de atenção. Veja-se quando os empregados procuram receber um adiantamento do salário, ou o episódio em que este grupo resolve elaborar pratos de sushi e encomenda peixe a menos, com o quotidiano do protagonista a ser marcado por pequenas vitórias e derrotas. Outro dos protagonistas é Khaled (Sherwan Haji), um refugiado sírio que procura asilo na Finlândia e tenta reencontrar Miriam (Niroz Haji), a sua irmã, com ambos a terem perdido boa parte dos familiares mais próximos. Kaurismäki aborda este drama de forma humana, sempre sem cair em dramatismos excessivos ou procurar puxar as lágrimas fáceis, enquanto aproveita este personagem para desenvolver temáticas relacionadas com os migrantes, o conflito na Síria, a xenofobia, as políticas de inclusão ou não dos refugiados, a imigração ilegal, a violência, entre outras.

É em Helsínquia que Khaled conhece um grupo heterogéneo de pessoas. Uns procuram ajudá-lo, tais como Wikström, enquanto outros, como um grupo de extremistas, atacam-no de forma violenta, com “Toivon tuolla puolen” a envolver-nos não só para o seio de uma cidade que tanto tem de acolhedora como de hostil, mas também para o interior da realidade de esperanças e desesperanças do personagem interpretado por Sherwan Haji. O intérprete tem um trabalho convincente, sobretudo quando expõe o desapego de Khaled à religião, ou o acaso que envolveu a sua entrada na Finlândia, ou a forte ligação deste com a irmã. Tanto a história deste personagem como a de Wikström são inicialmente desenvolvidas de forma separada, sempre num tom agridoce, dotado de uma mistura de sensibilidade e crueza, até Kaurismäki unir os destinos da dupla e colocá-la a protagonizar alguns episódios dignos de atenção.

Toivon tuolla puolen” é um regresso do cineasta aos temas relacionados com a imigração clandestina e as políticas de integração dos migrantes, bem como aos actos humanistas de alguns personagens e às cidades portuárias, um pouco à imagem de “Le Havre“, outro dos seus trabalhos imensamente recomendáveis. O realizador volta ainda a conceder atenção às pequenas peculiaridades que envolvem os actos dos personagens, sempre sem romancear as temáticas, ou entrar pelos caminhos mais fáceis, com tudo a parecer efémero ao longo do filme, seja a felicidade ou a tristeza, uma separação ou um reencontro, uma actividade profissional ou o fumo de um cigarro. Khaled e Wikström lidam com realidades distintas em relação àquelas a que estavam habituados, com Kaurismäki a realçar a personalidade muito própria dos protagonistas e as relações que estes formam, enquanto aborda alguns assuntos de relevo, sempre tendo a cidade de Helsínquia como palco e protagonista, com tudo a ser filmado e desenvolvido com enorme precisão.

Observação: O filme foi reexibido a 11 de Agosto no âmbito do Ciclo “Um Ano de Cinema”.

Review overview

Summary

Um regresso do cineasta aos temas relacionados com a imigração clandestina e as políticas de integração dos migrantes, bem como aos actos humanistas de alguns personagens e às cidades portuárias, um pouco à imagem de "Le Havre", outro dos seus trabalhos imensamente recomendáveis.

Ratings in depth

  • Argumento
  • Interpretação
  • Produção
  • Realização
4 10 muito bom

Comentários