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O Homem Invisível

de Leigh Whannell

muito bom

O conceito, a premissa e o título de “The Invisible Man” (O Homem Invisível) parecem aquela peça de roupa que se adapta a qualquer época ou estação. Não faltam longas-metragens e séries inspiradas no livro homónimo de H.G. Wells, ainda que pareça existir sempre espaço para mais uma, quais calças de ganga ou t-shirts de cores neutras que estão sempre prontas a integrar a lista de compras e a entrar de rompante pelo guarda-roupa. A nova adaptação da perene obra literária não conta com a concisão do filme de James Whale, mas insere-se que nem uma luva nos nossos tempos. As repercussões de uma relação problemática, a violência no interior de um namoro, o empoderamento da mulher, os efeitos nocivos da masculinidade tóxica aparecem como temas que permeiam esta película dotada de uma atmosfera opressora, inquietante, pessimista. A parca iluminação, a paleta de cores propositadamente escura ou desprovida de vitalidade, potenciam e muito esse ambiente tenso, tal como o design de som, com o realizador Leigh Whannell e a sua equipa a construírem toda uma atmosfera que propícia o nosso envolvimento com os episódios protagonizados por Cecilia. Elizabeth Moss é o rosto, o corpo e os gestos desta fita. A câmara assim o diz. Os planos que se fecham no seu rosto assim o sublinham. O destaque constante à sua Cecilia assim o dita.

Alguns dos pontos fortes de “The Invisible Man” são colocados em evidência nos momentos iniciais da narrativa. Um ambiente tenso, um aproveitamento eficaz dos cenários, uma capacidade notória de fazer germinar o receio no interior do espectador. O cenário em questão é a habitação de Adrian (Oliver Jackson-Cohen), o namorado de Cecilia. Fria, impessoal, dotada de vidros, tons desprovidos de vida e um estranho aparelho que remete para uma experiência deste cientista, esta casa diz muito sobre a personalidade do seu proprietário. É na aurora do filme que nos deparamos com a protagonista a tentar fugir deste espaço. Procura não fazer barulho, evita movimentos bruscos, desliga a maioria das câmaras, mas existe sempre a sensação de que algo pode falhar a qualquer momento. A localização desta propriedade, longe de quase tudo e todos, acentua precisamente essa ideia de ameaça, de que a ajuda pode não chegar a tempo. Se este cenário é permeado pela aspereza, já o lar de James é marcado pelo calor humano, ou não estivéssemos perante um lugar onde a protagonista busca protecção, apoio e afecto. Aldis Hodge insere uma postura afável e confiável ao seu James, um polícia que vive com Sydney (Storm Reid), a sua filha, uma adolescente com quem mantém uma relação de enorme proximidade.

É precisamente um sentimento de amizade que une o representante da autoridade e Cecilia, algo exposto com credibilidade pelos seus intérpretes. James tenta proteger a amiga. Esta procura refúgio na habitação do polícia. A notícia do suicídio de Adrian é acompanhada ainda por outra novidade: o falecido deixou uma fatia considerável da sua fortuna para a protagonista. O que se segue não é um período de acalmia, mas sim de paranóia crescente, de estranhos acontecimentos e medos incontroláveis. Tudo e todos acreditam que o cientista está morto. No entanto, uma série de episódios conduz a personagem interpretada por Elisabeth Moss a ter uma perspectiva distinta. Leigh Whannell tem consciência de que possuímos mais conhecimento sobre o antagonista do que a maioria das figuras que pontuam o enredo e joga com essa situação. Primeiro coloca a protagonista diante de pequenos sinais de perigo. Sinais esses que exibem o adensar de uma ameaça que se torna cada vez mais notória, hostil e assustadora. Pelo meio não faltam jump-scares que apimentam a narrativa. Alguns são esperados, outros inesperados. A maioria contribui para potenciar esse sentimento de perigo em redor da protagonista. Cecilia sabe que está a ser alvo da obsessão de Adrian. Como fazer para que aqueles que a rodeiam acreditem que o cientista está vivo e pronto a colocá-la em perigo? É uma pergunta que dialoga com os nossos tempos, em particular, com a desconfiança que por vezes observamos no que diz respeito às denúncias efectuadas pelas mulheres, seja em relação ao assédio sexual ou moral.

Em tempos de consciencialização social e de movimentos como o #MeToo, “The Invisible Man” explana o quão importante é que escutemos as vítimas de abusos, que denunciemos os agressores e não compactuemos com a toxicidade nas relações. Sim, não devemos julgar antecipadamente os casos. No entanto, também não podemos assobiar para o lado quando as evidências estão espalhadas por todos os lados. O argumento de Leigh Whannell dialoga com o agora, sempre sem parecer panfletário, oportunista ou preso ao presente, ao mesmo tempo em que permite a Elisabeth Moss compor uma personagem dotada de densidade. Esta consegue expressar com intensidade e credibilidade a inquietação, a determinação e a dor que percorrem a sua Cecilia. Como enfrentar uma ameaça invisível? Entre as figuras que acompanham a protagonista encontra-se ainda Emily. Harriet Dyer insere espirituosidade e uma personalidade decidida à sua Emily, a irmã da personagem principal. A proximidade entre ambas é visível, tal como as suas diferenças de comportamento diante das adversidades. Mais dúbia é a postura de Tom, o irmão de Adrian, com Michael Dorman a conseguir demonstrar de forma convincente essa duplicidade da figura a quem dá vida.

O elenco é extremamente competente a aproveitar e a elevar o argumento, enquanto Leigh Whannell exibe uma precisão evidente a tirar o melhor de cada um dos intérpretes. Tal como já foi mencionado, o cineasta revela-se ainda exímio na construção de uma atmosfera de paranóia e receio, opressora e inquietante. Em certos pontos recorre a um ou outro facilitismo para favorecer a criação desse ambiente. Note-se o trecho onde a protagonista sobe ao sótão durante a noite, um episódio onde a curiosidade anda de mãos dadas com as decisões precipitadas. Estarei a ser demasiado picuinhas? É fácil de responder: sim. “The Invisible Man” é competente a cumprir aquilo a que se propõe, seja a provocar inquietação, a dialogar com o agora, a estimular a nossa consciência ou a surpreender-nos com algumas das reviravoltas. Antes de vermos o filme poderíamos questionar se existiria espaço para a enésima adaptação do livro de H.G. Wells. Depois de visionarmos a obra percebemos o quão necessária e pertinente é esta nova abordagem.

Review overview

Summary

Uma adaptação pertinente e necessária.

Ratings in depth

  • Argumento
  • Interpretação
  • Produção
  • Realização
3.5 10 muito bom

Comentários