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[MOTEL/X 2017] The Untamed

de Amat Escalante

excelente

The Untamed é um filme desafiante e original que assenta numa estética de realismo social para introduzir um elemento alegórico de ficção-científica numa história que explora os desejos mais básicos e primordiais do ser humano.

 

The Untamed é o título internacional da produção mexicana de 2016 La región salvaje, realizada pelo mexicano nascido na Catalunha Amat Escalante. Com Heli (2013), o seu terceiro filme onde abordava a violência dos cartéis de droga, foi o vencedor do prémio de melhor realização no Festival de Cannes de 2013. Com The Untamed, voltou a vencer um prémio de realização num importante festival internacional, desta vez o Leão de Prata no Festival de Veneza de 2016. Ao chegar ao MOTELX com estas credenciais, o filme de Escalante vinha também apontado como uma obra difícil e experimental. Na verdade, é um título original que desafia qualquer tentativa de sinopse pois tem uma narrativa minimalista que se vai revelando e desvendando aos poucos, assentando numa estética de realismo social para introduzir um elemento alegórico de ficção-científica que tanto pode elevar a experiência para alguns espectadores, como miná-la. E que refrescante é falar de um filme no contexto do MOTELX sem referenciar mil e uma influências e inspirações!

Após ficar ferida num encontro misterioso, Verónica é assistida no hospital pelo enfermeiro Fabián. Este tem encontros sexuais secretos com o cunhado Ángel, ambos traindo Alejandra, com quem Ángel vive um casamento sem paixão. Apesar da preferência sexual de Fabián ser assumida e conhecida, em público Ángel comporta-se como um homem típico da sociedade em que está inserido, machista, agressivo e homofóbico, com uma tendência mal disfarçada para a violência. Entretanto Verónica aproxima-se de Fabián e atrai-o para uma experiência sexual e sensorial que, não só promete uma sensação indescritível de prazer e apaziguamento, como envolve uma criatura extraterrestre que parece ter uma percepção e ligação especial aos desejos mais básicos e primordiais do ser humano e de outros animais terrestres. Quando Fabián aparece maltratado e em coma, Alejandra descobre provas do caso do irmão com o marido e, acreditando ter sido este a espancá-lo, denuncia-o à polícia. Ao consolá-la, Verónica atrai também Alejandra para satisfazer os desejos insaciáveis da criatura.

The Untamed é um filme sobre a prisão socioeconómica de uma cultura chauvinista e homofóbica. O terror não provém da criatura, mas da ambiguidade da atracção e repulsa de personagens perante relações interpessoais tóxicas e viciadas, colocadas no seu lugar pelas regras instituídas e pelos status quo instalado, incapazes de procurarem alternativas e constantemente traídas pelo desejo mais básico humano: o prazer sexual. O ser alienígena, representação metafórica destes incontornáveis impulsos, tão naturais como necessários na experiência da vida animal, não é agressivo. Mas, apesar da sua passividade, é procurado pelo prazer que oferece, acabando mais cedo ou mais tarde por tornar-se perigoso. Constitui uma possibilidade irresistível de satisfação pessoal, mas, no final, revela-se tanto um beco sem saída como as outras opções de vida possíveis. E, desta forma, encerra todas as variantes que fazem parte da nossa curta experiência neste planeta, inútil e vazia de significado.

É claro que este é um filme longe de ser consensual. A sua abertura e frontalidade no tratamento dos elementos sexuais — relações interespécies incluídas — irão por certo fazer levantar sobrancelhas e, dado o contexto realista de preocupação social, o elemento fantástico poderá colocar muita gente à defensiva. Escalante não está preocupado com explicações científicas nem com qualquer forma de narrativa convencional. Este é cinema de personagens e do seu interior mais profundo: dos seus desejos, segredos e, mais importante ainda, lutas, desafios e fraquezas. É um cinema cerebral e desafiante, mas da melhor forma possível. Quantos filmes vemos actualmente em que, a cada momento, não sabemos de todo o que vem a seguir? Uma coisa é certa: quer se adore ou se odeie, está aqui um dos acontecimentos da presente edição do MOTELX.

Review overview

Summary

Este é cinema de personagens e do seu interior mais profundo: dos seus desejos, segredos e, mais importante ainda, lutas, desafios e fraquezas. É um cinema cerebral e desafiante, mas da melhor forma possível. Uma coisa é certa: quer se adore ou se odeie, está aqui um dos acontecimentos da presente edição do MOTELX.

Ratings in depth

  • Argumento
  • Interpretação
  • Produção
  • Realização
4.5 10 excelente

Comentários

Written by António Araújo

Cinéfilo, mascara-se de escritor nas horas vagas, para se revelar em noites de lua cheia como apaixonado podcaster.

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