Ponto importante da competição do Festival MOTELX é o prémio para Melhor Curta de Terror Portuguesa/Méliès d’Argent, o maior prémio para curtas-metragens em Portugal (5000€ a que se juntam mais 5000€ em serviços pós-produção Kino Sound Studio e um fim-de-semana de inspiração nos hotéis Belver), que serve de estímulo à produção nacional de cinema de terror e elege uma obra para concorrer ao Prémio Méliès d’Or atribuído pela Federação Europeia de Festivais de Cinema Fantástico em Novembro na cidade de Trieste.
De uma competição de nove curtas-metragens, o júri composto pela actriz Maria João Bastos, o músico Carlão e o realizador Can Evrenol escolheu como vencedor o filme Thursday Night, de Gonçalo Almeida, um filme que tem a peculiaridade de ser uma história de fantasmas interpretada por cães.
A viver e trabalhar em Londres, Gonçalo Almeida, natural de Santiago do Cacém teve a gentileza de responder a algumas perguntas da Take Cinema Magazine, e é essa entrevista que apresentamos de seguida.
Como descreve a sua experiência em Londres, do ponto de vista do que aprendeu, e das oportunidades que a experiência inglesa lhe traz, quando comparado com o que teria em Portugal?
Fui um sortudo em ter tido a oportunidade de ir para Inglaterra. Penso que a melhor parte foi estar três anos rodeado de pessoas com o mesmo entusiasmo que eu tenho por cinema. Foi um estímulo constante. Só falávamos e só vivíamos isso. Em relação a oportunidades não sei bem. Trabalhei como electricista nos filmes e em outras funções, em Inglaterra. Só duas vezes fui contratado para realizar. De resto, todos os meus projectos foram iniciados por mim e feitos graças à ajuda dos meus amigos. Se não fossem eles, não tinha feito filme nenhum em Inglaterra, mas com eles, acabei por fazer 15. Não sei como seria se tivesse ficado em Portugal, talvez algo semelhante tivesse acontecido. Tenho amigos realizadores que vou conhecendo aqui e eles estão tão entusiasmados quanto eu.
Já com várias curtas de ficção e alguns videoclips musicais, que falar-nos da sua carreira até ao momento?
Não sei se a minha incursão no cinema se pode considerar uma carreira. Não vivo do cinema e perco sempre mais dinheiro do que o ganho. É a minha paixão, não tenho dúvidas em relação a isso. É nisso que penso quando acordo e quando me deito. Tenho sido sortudo, por as pessoas terem acreditado em mim. Os meus pais, os meus irmãos e as pessoas que trabalham comigo é que me empurram para a frente. Acho que é fácil perder a motivação neste meio, apesar de isso ainda não me ter acontecido, mas ter acontecido a amigos meus que têm a vida mais complicada que a minha.
O que foi para si a participação no MOTELX? Uma novidade, ou tem experiência em festivais de cinema?
A última vez que fui ao MOTELX foi quando foi lá o Eli Roth [nota: 2011]. Nunca estava cá em Setembro e por isso é que não tenho ido, senão ia todos os anos. Tenho pouca experiência em festivais de cinema mas costumo ir quando sou convidado. Gosto mais dos festivais mais pequeninos onde as pessoas me convidam para almoçar e beber copos do que uns outros maiores em que ando lá sozinho a ver 50 curtas por dia.
“Thursday Night” é um filme inspirado em Brian Eno. Quer explicar como se passa da música a uma história de fantasmas?
As minhas ideias vêm quase sempre da música. Sem querer parecer pretensioso ou místico, o que faço é, sentar-me e pôr a música certa a tocar. Depois aguardo que as coisas venham ter comigo. Na maior parte das vezes não sei bem o porquê das ideias, mas reconheço o sentimento que me causam quando aparecem.
O filme tem a peculiaridade de ter cães como protagonistas. Como foi imaginar esta história e filmar com animais?
Imaginar foi mágico. Quando estou a escrever, lembro-me sempre dos filmes da Disney, como A Bela Adormecida, que é um dos meus filmes preferidos. Depois, tento recriar o sentimento de conforto que esses filmes me ofereceram da primeira vez que o vi. Quando estava a escrever o Thursday Night, sentia-me como se estivesse nesse domínio do conto de fadas, que me faz sentir bem e me põe em contacto com a criança dentro de mim que é mil vezes maior que o adulto. Filmar com animais não foi muito complicado. Normalmente faço sempre um storyboard exaustivo antes de filmar e, por isso, filmar foi basicamente tentar fazer com que os cães estivessem na posição certa dentro do frame e olhassem para o lado certo. Foi divertido…
O terror é uma área que lhe interessa, ou foi apenas uma passagem pelo género por curiosidade?
Levo o terror a sério. Basicamente só vejo filmes de género, pois é onde se arrisca mais. Dizendo isto, não sei se será bem verdade, pois a maioria dos filmes de terror hoje em dia, principalmente os americanos são uma grande merda. Não sei como é que essas pessoas arranjam emprego, mas enfim. Gosto de ver filmes dos anos 70. Filmes italianos e franceses, especialmente. Sinto que nesta altura deve ter sido excitante fazer cinema pois não havia limites. Agora vivemos na era do politicamente correcto, mas tens filmes de uma hora e meia com pessoas a serem cortadas aos bocados numa cadeira. Enfim, vá-se lá compreender.
O que pensa que uma vitória como a do MOTELX pode trazer à sua carreira?
Espero que ter esta apreciação me leve mais perto de uma possível audiência de terror em Portugal, que é para mim ainda desconhecida.
Onde (se é que é) possível ver as suas curtas-metragens, e que carreira costumam estes pequenos filmes ter no circuito comercial?
Quando os meus filmes acabam o seu percurso nos festivais, normalmente ponho os no meu website [nota: www.goncaloalmeida.net], por isso, este será o melhor sítio para ir para quem tem curiosidade em ver o que faço.
Quer falar-nos um pouco dos seus projectos futuros?
Neste momento estou a filmar uma longa-metragem, filmada no Alentejo, com equipa de Londres e de cá, e elenco português. Tenho uma animação escrita, que quero fazer para o ano, e gostaria de voltar à Gambia, em África, onde fiz um documentário o ano passado, para continuar a filmar sobre esse mesmo assunto. Quero fazer mais música e desenhar mais e arranjar um emprego fixo para não estar em ansiedade constante. Estes são os meus planos, vamos lá ver o que acontece.