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[MOTEL/X 2018] Luz

de Tilman Singer

bom

“Luz” não está preocupado com o desenvolvimento dos personagens, ou com a apresentação de um enredo coerente, certinho e de fácil acompanhamento, ou em manter-se numa zona de conforto. Acima de tudo quer ser uma experiência cinematográfica que mexe com os sentidos e os sentimentos. E consegue. É filme que inebria e desconcerta, que se envolve pelo sobrenatural e tem no design de som e na cinematografia dois dos seus elementos-chave para a criação dessa atmosfera alucinante. Por vezes sentimos a necessidade de saber algo mais, de receber uma quantidade acrescida de conteúdo para desfrutar por completo da primeira longa-metragem realizada por Tilman Singer, embora essa míngua de informação a espaços até contribua para o ambiente penetrante que é criado pelo cineasta e a sua equipa. Estes atiram-nos para o interior de um enredo pontuado por possessões, amores desencontrados, entidades demoníacas, hipnose, situações inquietantes e uma série de outros ingredientes que têm na personagem do título um ponto de encontro.

Recebemos alguma informação sobre o seu passado e contactamos com esta no presente, embora nunca a conheçamos totalmente. Interpretada com eficiência por Luana Velis, Luz é uma taxista de origem chilena (como indica o seu chapéu), que encontramos no início do filme a entrar numa esquadra, a tirar um refrigerante e a questionar o recepcionista se é assim que ele pretende viver a sua vida. O momento mencionado é exposto num plano de longa duração que permite não só realçar a estranheza da protagonista e a sua capacidade de dominar as atenções, mas também o papel de relevo da banda sonora (em tons muito à John Carpenter) e do trabalho de som no interior da narrativa de “Luz”. Seja a falar em chileno ou em alemão, Velis incute um certo mistério em volta dos actos da personagem do título, uma jovem que foi educada numa escola católica, lança blasfémias com imensa facilidade e não parece conseguir soltar-se do passado. Quais as razões para ter entrado numa esquadra? O que a leva a efectuar estranhas e provocadoras orações? São perguntas que aos poucos são respondidas, sobretudo a partir do momento em que a taxista é hipnotizada pelo Dr. Rossini (Jan Bluthard), um psiquiatra e psicoterapeuta que é arrastado para o interior do caso da personagem principal.

O primeiro contacto que temos com Rossini acontece quando este se encontra no interior de um bar. Um plano bem aberto permite colocá-lo em realce e às características do estabelecimento, com o médico a desfrutar de algumas bebidas antes de regressar ao serviço. Em pano de fundo encontramos Nora (Julia Riedler), uma mulher que quer saber mais informações sobre o médico. O seu batom vermelho não engana, ou a tonalidade não remetesse para os perigos que envolvem a presença desta figura misteriosa e sedutora. Esta revela que tem um passado em comum com Luz e que se encontrou com a taxista, embora guarde alguns segredos que se desenlaçam ao ritmo do álcool e de um beijo ardente. As cores frias que pontuam o bar e a banda sonora inquietante permitem sublinhar a atmosfera misteriosa que rodeia a interacção dos dois personagens, com Tilman Singer e a sua equipa a não pouparem esforços para criarem todo um ambiente propício a realçar as dúvidas e inquietações. Note-se o som da televisão que se mistura com os diálogos, ou o fervor que a música adquire de modo a sublinhar os sentimentos que percorrem o encontro entre Rossini e Nora.

Após o encontro mencionado somos lançados para um interrogatório que decorre no interior da esquadra e envolve regressos ao passado recente e distante, com uma regressão a permitir que Luz relate uma série de episódios e dê a conhecer um pouco da sua personalidade. Diga-se que estes momentos contribuem para que Luana Velis sobressaia, bem como Jan Bluthard, sobretudo quando a alma e a mente de Rossini deixam temporariamente de pertencer ao psicoterapeuta. Na sala encontram-se ainda presentes a comissária Bertillon (Nadja Stübiger) e Olarte (Johannes Benecke), o elemento responsável para traduzir as falas da protagonista de chileno para alemão e pela captação de som, embora os dois personagens pouco ou nada sejam desenvolvidos. Quem tem um ou outro momento de destaque é Julia Riedler como Nora, bem como a Margarita de Lilli Lorenz, uma figura com especial importância no passado de Luz. A entidade demoníaca também tem um relevo indesmentível na vida da taxista, com a obsessão desta figura a contribuir para uma série de episódios que mexem com o enredo e a personagem principal.

Num determinado momento do filme, a sala de interrogatório é tomada por um nevoeiro que dificulta a visibilidade e aumenta a instabilidade emocional que rodeia os diversos personagens e o mistério em redor do enredo. É um dos pedaços mais inspirados da fita, com o design de som, a cinematografia e o trabalho dos intérpretes e do realizador a contribuírem para um trecho intenso. Essa precisão a inquietar e a criar uma atmosfera desconcertante e enigmática surge como um dos principais trunfos de uma obra que nem sempre consegue desenvolver os seus personagens, ou primar pela espessura do seu enredo, embora provoque um forte efeito e beneficie da coragem de Tilman Singer para mexer com o espectador.

Review overview

Summary

Uma experiência cinematográfica que mexe com os sentidos e os sentimentos.

Ratings in depth

  • Argumento
  • Interpretação
  • Produção
  • Realização
3 10 bom

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