Surpreendentemente, um filme independente, de forte idiossincrasia autoral torna-se um dos fenómenos da época dos prémios. Ele é Moonlight (2016), segunda longa-metragem do quase desconhecido Barry Jenkins.
Moonlight é daqueles casos em que o inesperado acontece, e uma produção independente ganha um tal frémito que passa a surgir em todas as listas de prémios, e se coloca como candidato aos Oscars da Academia. Porque tal aconteceu? Certamente não por um trabalho de marketing (pelo menos inicialmente), mas sim por tocar pontos sensíveis em certas camadas do público, que o viu como uma carta fora do baralho, a merecer um destaque especial.
Fora desse contexto, Moonlight não é particularmente inovador. O filme de Barry Jenkins (que também assina o argumento) conta a história de Chiron (interpretado sucessivamente por Alex R. Hibbert, Ashton Sanders e Trevante Rhodes), uma criança desajustada, num contexto social desfavorável, lidando com bullies, rodeado pela realidade do tráfico de droga, e colocado sempre à margem «por ser diferente». Essa «diferença», que a início não nos parece mais que introversão, devido a uma sensibilidade (e maus exemplos caseiros), que o leva a não se rever no mundo em que vive, vai aos poucos tornar-se mais que isso, quando acompanhamos a sua história ao longo dos anos, e a vemos como espelho de desajustes sociais, raciais e sexuais.
Mostrado em três momentos distintos da vida do personagem principal, e saltando sobre eles sem necessidade de explicações, Moonlight cativa pela simplicidade, tanto da narrativa visual como da interpretação, com Hibbert, Sanders e Rhodes a convencerem-nos de que são exactamente a mesma pessoa, tal a colagem de maneirismos que conseguem. Sempre como um personagem fora do seu mundo, cada vez mais incapaz de tocar ou ser tocado (mesmo do ponto de vista literal), Chiron (ou Little, em miúdo, ou Black, em adulto), cativa-nos pelo seu silêncio, pelo seu olhar assustado, e pelo seu modo tímido, mesmo quando passa de presa a predador no mundo violento em que cresceu.
Tudo isto é filmado com uma câmara sempre dinâmica, que busca o olhar do protagonista, como nós o fazemos, por força do seu silêncio, envolvendo-se em movimentos geniais, em longos planos-sequência que por vezes nos convencem que vemos um documentário. Por isso se incluem silêncios confrangedores, desacertos de prosódia, olhares desajustados, e actos falhados de gestos, o que confere ainda mais realismo a cada momento. Por tudo isso, e onde se pode adivinhar um toque autobiográfico na história, o filme de Barry Jenkins é, mais que tudo, um olhar para um mundo que cria os tais desajustes e inadaptações, vistos pelos olhos de uma criança negra dos subúrbios conturbados norte-americanos.
Só que um projecto interessante, que tem tudo para ser inesquecível, cai nos erros clássicos da escrita apressada. Todos os episódios parecem de telenovela (o bullying, o melhor amigo que trai, a mãe que faz tudo por drogas, o menino sensível que todos gozam, o mentor traficante que lhe fala como um filósofo – o nomeado Mahershala Ali), o que chega a ser demasiado óbvio e forçado. Fosse o argumento tão sóbrio como o é a caracterização dos personagens, e talvez tivéssemos uma obra-prima. Vale-lhe o momento em que pode ser visto como uma voz do politicamente correcto, e bandeira contra a incorrecção feita política, provinda do novo ocupante da Casa Branca.
Review overview
Summary
Filme de forte componente autoral, Moonlight é um refrescante retrato de sensibilidade num mundo violento de intolerâncias sociais, raciais e sexuais, na perspectiva de um introvertido, que cativa pelo seu realismo, mas destoa pelo tom telenovelesco dos seus episódios.
Ratings in depth
-
Argumento
-
Interpretação
-
Produção
-
Realização