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[Monstra 2019] Mary and Max

de Adam Elliot

muito bom

Dez anos passados sob a sua estreia original, Mary and Max foi exibido na edição deste ano da MONSTRA. Não estreou comercialmente em Portugal, sendo que só foi exibido em sala uma única vez no nosso país… e foi no mesmo festival, em 2010. Inserido na secção “Históricos”, o filme ganhou um culto crescente ao longo desta década, sendo considerado como um dos exemplos mais conseguidos da animação em stop-motion deste século.

 

Baseando-se numa história verídica, o realizador Adam Elliot assinou uma longa-metragem (até hoje a única da sua filmografia) que se caracteriza por alguns aspectos especiais: uma dupla de personagens distintas, mas que se complementam em algumas características, um humor negro acutilante (presente não só nos diálogos e na narração como também no próprio estilo visual do filme) e uma história que tanto tem de emocionante como de universal.

Os dois protagonistas que dão nome ao filme conhecem-se somente por correspondência. Mary é uma criança com 8 anos que vive na Austrália, num meio pouco agradável para a sua idade, em que tudo parece correr mal: sofre bullying na escola, os seus pais não são muito aprazíveis, e só tem um amigo: um galo doméstico, que lhe faz companhia enquanto ela come frascos de leite condensado e vê o seu programa preferido. É nessa altura do dia que Mary sente haver algum sentido na sua vida. Fora isso, o espectador compreenderá que a existência desta menina não é das mais felizes.

Max é um homem com os seus 44 anos, que habita no outro lado do planeta: na metrópole nova-iorquina, convivendo com a sua poluição e sujidade quotidiana. É obeso e passa a vida a comer pães com chocolate – uma receita que considera ser da sua autoria. Vai a reuniões de “comedores compulsivos anónimos”, gosta de ficção científica, e tem outros hábitos peculiares. Além disso, teve uma infância difícil. Também ele não é propriamente a pessoa com a qual podemos definir o que é a felicidade.

Mary, cuja mente está carregada de imaginação que utiliza para compensar a solidão, decide um dia pegar na lista telefónica e escolher uma morada ao acaso. Calha-lhe Max. Envia-lhe uma carta e assim começa uma troca de pensamentos, angústias existenciais e algumas prendas, entre uma menina ingénua e um homem que vive entre o nosso planeta e os outros.

Mas desenganem-se os que julgarem que há algo de pervertido nesta premissa. A pen-friendship entre Mary e Max irá durar alguns anos, com os seus altos e baixos, e vamos testemunhando, pela leitura de certas cartas, como Mary vai crescendo e tornando-se adulta e Max vai lidar com os seus problemas. Com elas, lidamos com as idiossincrasias e angústias existenciais de ambos. Mas enquanto Mary vai progredindo na sua forma de pensar, deixando a inocência e a imaginação da infância, Max permanece igual a si próprio – e assim, Mary consegue ir compreendendo a fundo quem é este homem, quais os seus traumas, e quais as manifestações da sua doença.

Mary and Max tem uma sensibilidade que não se deixa cair para o mais imediato sentimentalismo – o humor por vezes ácido e sempre carregado de ironia também ajuda a equilibrar o lado mais lacrimejante da singular ligação entre os protagonistas e das suas vidas pouco ou nada felizes. O universo estético criado por Adam Elliot consegue, apesar disso, a proeza de nos fazer emocionar perante tão bizarras figuras de uma maneira muito especial: graças à sua visão muito própria e caricatural das relações humanas, da personalidade muito forte de Mary e de Max, espelhos da dicotomia campo-cidade, em que os temas difíceis recebem um tratamento original e não à base de cedências aos mecanismos mais usuais para tocar no espectador. Por mais grotescos ou “exagerados” que sejam aqueles bonecos, não conseguimos deixar de reconhecer neles algo de mais belo ou de humano – talvez tenham mais humanidade do que muitos “verdadeiros” humanos. A aleatoriedade do simples gesto de Mary mudou a sua vida e a de Max – e é possível dizer que o mesmo se suceda com quem se deparar com este filme, que utiliza uma abordagem muito particular a uma pequena história que acaba por ser muito diferente do que estamos habituados a ver, dentro e fora do cinema de animação.

Graças a isto, Mary and Max ultrapassou com êxito o primeiro teste do tempo. Dez anos depois, continua a ser um dos filmes de animação mais distintos e inovadores destes tempos – ou seja, já se tornou num clássico moderno, não só da animação mas de todo o cinema. E continuamos a aguardar, com a mesma expectativa, que surja uma nova longa-metragem de Adam Elliot.

Review overview

Summary

Com uma abordagem única a uma história real, Mary and Max é já um clássico moderno do cinema de animação.

Ratings in depth

  • Argumento
  • Interpretação
  • Produção
  • Realização
4 10 muito bom

Comentários