Num determinado momento de “Lupo” somos colocados perante uma frase da autoria de Herberto Hélder, nomeadamente, “Li algures que os gregos antigos não escreviam necrológios, quando alguém morria perguntavam apenas: tinha paixão?”. É uma citação que permite realçar a paixão que o metteur en scène do título tinha pela Sétima Arte e pelo risco, ou não estivéssemos perante um filme de pendor documental que se aventura pela peculiar e fascinante história de Rino Lupo. Consciente das limitações impostas pelas fontes disponíveis, o realizador Pedro Lino salienta desde cedo que a obra reúne no seu interior “factos e suposições”, enquanto recupera algumas memórias do nosso cinema e deste italiano com espírito de aventureiro. A informação é utilizada de modo dinâmico e articulada com engenho, com Pedro Lino a recorrer a trechos de filmes realizados por Rino Lupo ou que contavam com a presença do mesmo no elenco e a vídeos de arquivo, a apresentar críticas da época e documentos sobre as obras, a refazer o percurso que a figura do título efectuou desde que saiu de Itália e a elaborar um diálogo entre o passado e o presente de certos espaços. Note-se o contraste entre o presente e o passado do local onde estava o Gaumont-Palace, ou o espaço em que se encontrava a Invicta Film.
É notório que existiu todo um cuidado trabalho de investigação e uma tentativa de incutir uma ordem cronológica à informação que foi reunida sobre esta figura maior do que a vida. Rino Lupo teve vários pseudónimos, duas famílias e passou por vários territórios. Note-se que saiu de Itália e permaneceu algum tempo em países como França, Alemanha, Dinamarca, Rússia, Polónia, Portugal e Espanha, onde deixou obra feita e uma série de incertezas para aqueles que pretendem estudar a sua vida. Em Portugal, passou pela Invicta Films e pela Ibéria Film, criou a sua própria produtora, fundou uma “Escola de Arte Cinematográfica” e realizou obras como “Mulheres da Beira”, “O Diabo em Lisboa”, “Fátima Milagrosa”. Pelo meio teve alguns fracassos e ficou conhecido pela sua incapacidade para respeitar o cronograma de filmagens e os orçamentos, bem como por filmar ao ar livre, captar as especificidades dos territórios e apostar na “etnoficção”. O documentário apresenta não só estes elementos que envolvem a passagem do realizador por Portugal, mas também algum material relacionado com a sua presença em diversos países, tais como na Alemanha, onde realizou “Wenn Völker streiten”, com boa parte destes ingredientes a serem acompanhados pelo discurso do narrador ou por pequenas entrevistas.
Os comentários efectuados pelo narrador contribuem para enriquecer o filme, seja quando levanta questões sobre Rino Lupo, ou explana alguma informação relevante sobre o metteur en scène e o contexto dos locais por onde passou. Diga-se que “Lupo” recorre ainda à narração em off para colocar o artista do título a dirigir-se ao espectador, em particular, através da voz de Giacomo Scalisi, um recurso que contribui para acentuar a proximidade entre o público e a figura retratada. Temos ainda breves entrevistas aos netos de Rino e Aida Lupo e a presença do neto de Beatrice Lupo, a irmã do cineasta, com Pedro Lino a nunca descurar as ligações entre o presente e o passado e um recuperar das marcas deixadas por este nómada que passou pelo cinema português. Em alguns momentos fica a sensação de que o contexto cinematográfico dos anos 10 e 20 poderia ter sido mais aprofundado, sobretudo no caso português, embora o documentário seja relevante quer como ponto de partida para estudarmos o metteur en scène, quer como uma obra que contribui para aumentar o nosso conhecimento sobre o mesmo e o seu singular percurso de vida.
Nascido Cesare, Rino Lupo marcou um período do nosso cinema, em particular, nos anos 20, embora a sua história de vida seja por si só extremamente cinematográfica. Veja-se o mistério em torno dos últimos anos da sua existência, ou o seu agitado percurso profissional. Retratar o percurso desta figura maior do que a vida não é tarefa fácil, mas Pedro Lino exibe-se à altura desta empreitada hercúlea e constrói um filme de pendor documental que se revela informativo, dinâmico, relevante e capaz de estimular o desejo de querermos saber mais sobre o elemento retratado e as suas obras.
Observação: Filme visionado no âmbito da cobertura da edição de 2018 do Fest.
Review overview
Summary
Um filme de pendor documental que se revela informativo, dinâmico, relevante e capaz de estimular o desejo de querermos saber mais sobre o elemento retratado e as suas obras.
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Produção
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