O trailer prometia “o pior filme de sempre”, se Linhas de Sangue o consegue, é incerto. Mas que se candidata, não há dúvida.
Produção da Coyote Vadio e Caos Calmo Filmes, Linhas de Sangue vinha precedido de um trailer que o apelidava (em auto-defesa prévia, na qual gozava com os críticos que lhe dessem críticas negativas) de “o pior filme de sempre”. Isso fazia logo lembrar aquele cliché do gordo que conta piadas de gordos para que as pessoas se riam com ele, e não dele. Legítimo, mas manipulador.
Este gerar de expectativas numa meta-linguagem que trata o filme dentro do filme não é nova no cinema de humor, e toda a corrente spoof, que Mel Brooks e os ZAZ (Zucker-Abrahams Zucker) tão bem souberam explorar – e que tem sido gasta até à exaustão –, vive muito disso. Sérgio Graciano e Manuel Pureza sabem-no e procuraram trazer o que julgaram inédito para o cinema português. E qual o resultado?
Com a presença de 54 actores e música de 23 bandas de renome no panorama artístico nacional, Linhas de Sangue apresenta-se como um ovni no cinema português. Mistura de comédia com filme de acção, usando linguagem de filmes de super-heróis, momentos de terror, algures entre o thriller criminal e filme de guerra, os autores apostaram em colocar no filme tudo aquilo que pudesse ser abrangente e surpreendente, numa história de espionagem, envolvendo organizações secretas e golpes militares, onde a sorte do país parece estar no recrutamento de uma série de sobredotados à deriva. Ser híbrido, só por si, não é uma desvantagem, mas quando a hibridez é feita de peças desconjuntadas, sem encaixe possível, o resultado é um monstro de Frankenstein.
Diga-se, antes de mais, algo positivo sobre Linhas de Sangue: as interpretações mostram actores – quase todos fora da sua zona de conforto – que acreditam no que estão a fazer, e o fazem com distinção; o projecto é um risco assumido, e riscos são sempre necessários para se desbravar caminho; a escolha de cenários naturais é interessante; e – conceda-se – duas ou três das piadas (verbais) até funcionam.
Mas tudo isso é muito pouco para um filme: sem ritmo; onde as ligações entre sequências não funcionam; demasiado fragmentado em pequenas histórias que se enamoram tanto delas próprias que continuam depois de se terem gasto; onde todas as tentativas de humor visual (da legenda “Berlim, Checoslováquia” logo corrigida para se explicar às pessoas que era uma piada, até ao striptease em jeito de videoclip numa sequência de tiroteio) nos deixam boquiabertos, pelas piores razões; e com todas as histórias a culminar num final forçado, apenas porque era necessário juntar as pontas, mesmo que já nada fizesse sentido. Há ainda o procurar escandalizar, seja com piadas escatológicas, com imagens nojentas, ou com sangue a jorrar, tudo sempre muito gratuito. E como muitos males nunca vêm sós, o filme é longuíssimo (duas horas e doze minutos, que parecem pelos menos três horas).
Certamente, Linhas de Sangue arrancará algumas gargalhadas a alguns espectadores, tal como arrancará muitos bocejos, e enojará muitos outros. Não é que o cinema não deva ser popular, ou procurar géneros de gosto alargado, mas quando o resultado é o tal monstro de Frankenstein, muito ainda tem de se caminhar para um verdadeiro cinema português comercial de qualidade.
Review overview
Summary
O prometido “pior filme de sempre” revela-se um monstro de Frankenstein, com todas as suas partes desconjuntadas, onde nem um elenco muito profissional consegue disfarçar um resultado onde tudo parece sem sentido, demasiado longo, de um humor gasto e sem qualquer ritmo.
Ratings in depth
-
Argumento
-
Interpretação
-
Produção
-
Realização