Com saudades de um bom filme de crime e mistério? Rian Johnson convoca um elenco de luxo para um whodunnit à antiga em Knives Out: Todos São Suspeitos.
Antes da incursão à ficção científica com Looper – Reflexo Assassino (2012), e de se tornar o alvo preferido de meio-mundo, especialmente fanáticos de Star Wars, por causa do divisivo Os Últimos Jedi (2017), Rian Johnson tinha-se apresentado ao universo cinéfilo com dois cativantes títulos de travo clássico em que mesclava géneros e explorava universos marcados pelo crime – Brick (2005) – e habitados por charlatões – Os Irmãos Bloom (2008). Entre a incursão a uma galáxia distante e a promessa de lá voltar, o escritor e realizador reuniu um elenco de luxo para voltar ao tom das suas primeiras obras com um filme de crime e mistério que remete para o imaginário de Agatha Christie, Sir Arthur Conan Doyle e, por referência sua – não é qualquer desprimor –, Crime, Disse Ela. É impossível falar do novo filme do norte-americano sem o encarar com sentido de humor ao mesmo tempo que se invoca a expressão “whodunnit” – para a qual nunca encontrámos uma tradução conveniente para a nossa língua –, género em que um crime é normalmente investigado por uma acutilante e perspicaz personagem, encontrando no final o(a) criminoso(a).
No centro da trama está a morte do popular autor de romances de crime e mistério Harlan Thrombey (Christopher Plummer) ocorrida na sua opulenta mansão na noite do 85º aniversário. Aparentemente um suicídio, logo se levantam suspeitas sobre a natureza do ocorrido – como alguém afirma no decorrer da narrativa, o patriarca parecia morar na mansão do Cluedo, tornando-se inevitável a suspeita de mão assassina. Entra em cena Benoit Blanc, Daniel Craig a cravar os dentes numa interpretação deliciosa de um afamado investigador privado de sotaque duvidoso envolvido no caso de forma misteriosa, emparelhando com o detective da polícia Elliott (LaKeith Stanfield) na tentativa de deslindar os acontecimentos. Como óbvios suspeitos temos a extensa e excêntrica família (incluindo Jamie Lee Curtis, Michael Shannon, Don Johnson, Toni Collette e Chris Evans) que colhe frutos da fortuna de Harlan. Mas a chave do puzzle pode passar pela devota enfermeira e ajudante do idoso, Marta Cabrera – Ana de Armas a aproveitar da melhor forma o foco que Johnson lhe aponta.
Não obstante o enquadramento contemporâneo, Rian Johnson é exímio no definir de um tom quase gótico que define imediatamente os parâmetros da trama, lançando-se num primeiro acto recheado de humor que traça as diferentes personalidades dos elementos da família, contribuindo também para tal um trabalho de edição que tece as diferentes linhas narrativas de forma paralela, num entrelaçar que proporciona momentos de deleite para quem gosta de revisitar cenas de perspectivas diferentes, quase como um jogo de investigação que parece convidar o espectador a atentar em pormenores em cumplicidade com Benoit Blanc. Cada elemento do elenco tem oportunidade de brilhar – Ana de Armas e Daniel Craig no centro da acção, Jamie Lee Curtis e Michael Shannon mais discretos, com Toni Collette mais espalhafatosa, Chris Evans a fazer esquecer a integridade do super-herói que tem vindo a encarnar, e a grande surpresa a ser Don Johnson, escolha acertada para um desempenho que balança a fragilidade de alguém que é sustentado pela família da mulher e a arrogância desse mesmo privilégio.
O maior trunfo, no entanto, é o hábil argumento de Rian Johnson, não só a balançar as peças deste mistério como a subverter cedo as expectativas de quem pensa adivinhar ao que vem, apenas para as voltar a subverter mais tarde, conseguindo o elemento da surpresa com um desfecho que evita o repetir de fórmulas gastas. No processo, sem grande subtileza, no entanto de forma eficaz, estabelece o paralelismo com o actual clima social e político norte-americano, nomeadamente no que respeita à relação dos americanos com os seus emigrantes, com os vários elementos da família como representantes das várias facções políticas e sociais do país, incluindo os orgulhosamente intolerantes e aqueles que o são encapotados por uma hipócrita aceitação e convivência – hilariante os vários momentos em que o país de origem de Marta é apontado de forma incoerente com o que foi dito anteriormente, reflectindo a ignorância e a indiferença da cultura e identidade do “outro”. No momento em que os privilégios a que cada familiar julga ter direito são ameaçados, revela-se a sua verdadeira natureza, e torna-se evidente a temática inerente a esta divertida história, cobertura satisfatória de um bolo só por si já delicioso.
Review overview
Summary
"Knives Out: Todos São Suspeitos" é um filme de crime e mistério à antiga que consegue surpreender com um argumento inteligente, um toque de humor e uma inesperada temática de crítica social e política.
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Argumento
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Interpretação
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Produção
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Realização