Na sua terceira longa-metragem para cinema, Thomas Stuber leva-nos ao desencanto dos bastidores de um hipermercado, mostrando que às vezes o local de trabalho é onde realmente se vive.
In den Gängen/In the Aisles, que em português significa algo como “nos corredores” foi apresentando no Festival de Berlim de 2018, onde competiu pelo Urso de Ouro, acabando por vencer o Prémio do Júri Ecuménico. Baseado num conto de Clemens Meyer, o qual assina o argumento com o realizador Thomas Stuber, tem a particularidade de se passar quase totalmente no interior de um enorme hipermercado da Alemanha Oriental, sendo definido pelas rotinas do trabalho diário, em particular no transporte e reposição de stock, tarefas que ocupam os protagonistas do filme.
In den Gängen centra-se em Christian, interpretado por Franz Rogowski (Victoria, Sebastian Schipper, 2015), que vemos ingressar no dito hipermercado, e aprender o seu ofício, transportando caixas, arrumando prateleiras, e aprendendo a mexer na empilhadora, no que é tutorado pelo mais velho, e bem mais comunicativo, Bruno (Peter Kurth). Reservado, tímido, silencioso, Christian observa, quase que pedindo desculpa por existir, até a sua atenção ficar presa em Marion – interpretada por Sandra Hüller (Tony Erdmann, Maren Ade, 2016) –, a empregada da secção de doces. Talvez atraída pela aparente inocência de Christian, lufada de ar fresco na sua vida, Marion, apesar de casada, vai-se interessar pelo rapaz, numa relação que não vai passar de platónica.
Contemplativo, tal como o repetir das rotinas dos empregados daquela grande superfície, o filme de Thomas Stuber evolui num marcar passo lento, que nos mostra duas coisas. Primeiro, que é nesse acontecer sem acontecer, de dias sem eventos, que a vida verdadeiramente decorre; segundo, que talvez seja no local de trabalho – nas pequenas tarefas, afazeres mecânicos, conversas apressadas e rotinas automáticas – que a vida se vive, e não nos idílicos lares perfeitos, passeios de fim-de-semana ou planos grandiosos de escapadas.
Afinal, Christian não tem nada que o espere fora do supermercado, a não ser o contacto com amigos duvidosos que quer evitar. Bruno pouco ou nada tem, como podemos ver na casa decrépita que nos mostra numa cena, e no quanto lamenta os dias áureos da sua carreira, em que em vez da empilhadora, conduzia um camião pelas estradas da antiga RDA. Quanto a Marion, a violência doméstica é prova de que só no trabalho pode encontrar alguma estabilidade e companheirismo, e talvez inconfessada capacidade de sonhar.
Se Hitchcock dizia que um filme é a vida sem as partes chatas, Thomas Stuber parece responder que a vida pode ser um filme sem as partes entusiasmantes. E é ao mostrar-nos como essa vida feita de momentos tristes é o lugar-comum de tantos de nós, onde a esperança – quando a há – não é mais que um dia igual ao anterior, que o seu filme ganha força. Mesmo que no fim ele pareça só um episódio inconsequente, num espaço despersonalizado, daqueles que preferimos nem sequer recordar, por se poderem parecer tanto com os nossos.
Review overview
Summary
Rotineiro, contemplativo e realista, In den Gängen mostra-nos como às vezes é no trabalho que se vive, e onde se deixa as agruras da vida para trás, no olhar distante e desdramatizado de Thomas Stuber, que é também o do seu desencantado protagonista, interpretado por Franz Rogowski
Ratings in depth
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Argumento
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Interpretação
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Produção
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Realização