Fight Club é uma rubrica onde comparamos dois filmes, sejam da mesma franchise, do mesmo género ou qualquer outra ligação mais ao menos ténue. Podem ser sequelas, remakes, filmes parecidos, com a mesma temática, actor ou realizador. Cada filme terá o seu defensor, explicando porque um é melhor que o outro. Não se trata de insultar ou denegrir gratuitamente, antes pelo contrário. Trata-se de dar a conhecer diferentes pontos de vista, sejam eles mais ou menos populares, e estimular o exercício analítico na defesa de gostos muito pessoais. Ao fim e ao cabo o gosto é subjetivo e o lixo de um é o tesouro de outro. Concorde-se ou não com as opiniões, existirão com certeza argumentos inspirados e defesas apaixonadas. E no final, independentemente de quem perder o combate, ganhamos todos.
Nesta edição colocamos em confronto Indiana Jones e o Templo Perdido vs. Indiana Jones e a Grande Cruzada. Perante a questão sobre qual a melhor sequela de Os Salteadores da Arca Perdida apenas Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal ficou em branco: António Araújo defende o Templo Perdido na Ronda 1, enquanto que José Carlos Maltez avança com a Grande Cruzada na Ronda 2.
É difícil confrontar dois filmes que descobri, e comecei a amar, naquela época mágica das nossas vidas, que é a adolescência. Esse apelo a um lado mais infantil, de heróis sorridentes, fáceis distinções entre bem e o mal, e uma roda-viva de aventura, sempre com uma forte componente cómica, que parece provir de uma lógica (também ela infantil) de desenhos animados, foram os ingredientes que cozinharam um estrondoso sucesso, ao mesmo tempo que apaixonavam uma geração, para quem «aventura» está sempre ligada a um nome «Indiana Jones».
Feitas as apresentações, comecemos a separação. De um lado está o segundo filme da série criada por George Lucas e Steven Spielberg, Indiana Jones e o Templo Perdido (1984), um filme que nos leva da China para a Índia, onde se lida com um culto brutal à deusa Khali, no interior do país. Do outro está o terceiro, e mais festivo, Indiana Jones e a Grande Cruzada (1989), que lida com a busca do Santo Graal, numa busca que nos leva dos Estados Unidos a Veneza, Áustria e Egipto.
Defendo o terceiro tomo, neste Fight Club, salvaguardando desde já que compreendo os atractivos do outro filme (chamemos «Templo Perdido» a um e «Grande Cruzada» ao outro para abreviar), e são inegavelmente dois grandes filmes que não precisam de ser defendidos de ninguém. E porque prefiro então a Grande Cruzada? Aqui vão as razões.
Em primeiro lugar pelo tipo de protagonista. Lucas e Spielberg criaram, em Os Salteadores da Arca Perdida (1981), o tal herói de sorriso nos lábios, bom coração mas jeito abrutalhado, com uma enorme capacidade de desenrascanço (que diz quando lhe pedem um plano «sei lá, vou inventando à medida que avanço»), e que com alegria e alguma sorte à mistura, vai resolvendo berbicachos, deixando-nos sempre bem-dispostos. Isso é a premissa do herói, está nos Salteadores, está na Grande Cruzada, falta no Templo Perdido. Assumidamente mais negro, com menos humor, com uma atmosfera trágica, torna Indy num personagem quase noir (veja-se o início de negociatas em casinos, e no modo como deita tanto a perder entre tiros e explosões, num ambiente que não é o seu.
Em segundo lugar o sidekick. Se em Salteadores era Karen Allen, na ex-amante, furiosa e meiga, lutadora e frágil (um paradigma não mais imitado na série), no Templo Perdido, Kate Capshaw (a senhora Speilberg) tomou o lugar, e o que ficou foi uma menina mimada que grita o tempo todo, e cujas falas se resumem em metade do tempo a «Oh my God!». Há ainda o «minorca» (Jonathan Ke Quan), com uma interacção mais interessante com Harrison Ford, mas que se gasta rapidamente. A isso, na Grande Cruzada contrapõe-se Sean Connery como o pai de Indy. Não podia ser melhor, o veterano actor não só brilha, entregando as suas linhas com pose e tempo perfeitos, como a sua química com Harrison Ford é completa nos papéis de pai e filho desavindos sem saberem exactamente porquê. Todas as suas cenas em conjunto são inesquecíveis.
Em terceiro lugar, a história. É claro que a Grande Cruzada é uma forma de retomar o caminho dos Salteadores. A estrutura é a mesma (abertura, Dr. Jones na Universidade, recrutamento para uma causa imperdível de ligações religiosas, aventuras em jeito de soluções de puzzles, embates com os nazis no deserto, revelação final de proporções místicas). O Templo Perdido tem o mérito de arriscar, mas fá-lo mal. Perde-se todo o gosto de explorar, pensar, descobrir ligando pistas e viajando entre locais cheios de história, e o argumento reduz-se a ver indianos maus a maltratar crianças. Quem vê Indiana Jones quer ver uma aventura cheia de enigmas e descobertas, não apenas uma sequência de salvamento. E é isso que tem na Grande Cruzada, com aventuras sem tirar o pé do acelerador, um enorme puzzle de descobertas, e claro, sempre a oportunidade para nos pôr um sorriso nos lábios.
Finalmente, alguns extras. A Grande Cruzada dá-nos ainda alguma mitologia da personagem. Primeiro vemos Indiana Jones como adolescente (River Phoenix), e descobrimos alguns factos sobre ele e a sua personalidade (além da cicatriz no queixo, chicote e chapéu). Por fim conhecemos o seu pai, com muitas pequenas histórias a virem à baila. Quem vê este filme fica imediatamente com curiosidade para conhecer mais sobre a vida dos Jones, o que se tornou possível entre 1992 e 1993 na saudosa série de TV Indiana Jones – Crónicas de Juventude, protagonizada, a dois tempos, por Sean Patrick Flanery e Corey Carrier.
Sendo dois filmes de acção e aventura fabulosos, entre os dois, o meu preferido é Indiana Jones e a Grande Cruzada.