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[Fight Club] Batman Regressa vs. O Cavaleiro das Trevas [Ronda 1]

João Paulo Costa defende Batman Regressa

Fight Club é uma rubrica onde comparamos dois filmes, sejam da mesma franchise, do mesmo género ou qualquer outra ligação mais ao menos ténue. Podem ser sequelas, remakes, filmes parecidos, com a mesma temática, actor ou realizador. Cada filme terá o seu defensor, explicando porque um é melhor que o outro. Não se trata de insultar ou denegrir gratuitamente, antes pelo contrário. Trata-se de dar a conhecer diferentes pontos de vista, sejam eles mais ou menos populares, e estimular o exercício analítico na defesa de gostos muito pessoais. Ao fim e ao cabo o gosto é subjetivo e o lixo de um é o tesouro de outro. Concorde-se ou não com as opiniões, existirão com certeza argumentos inspirados e defesas apaixonadas. E no final, independentemente de quem perder o combate, ganhamos todos.

Nesta edição, e na semana em que estreou LEGO Batman: O Filme, colocamos em confronto duas sequelas de diferentes entradas da saga desse que é um dos mais célebres heróis da BD: Batman Regressa vs. O Cavaleiro das Trevas. Ambos os filmes marcaram a consolidação de dois autores muito particulares – Tim Burton e Christopher Nolan – a trabalhar com o poder que o sucesso dos primeiros filmes lhes havia concedido. João Paulo Costa argumenta a favor de Batman Regressa na Ronda 1, enquanto que Hélder Almeida avança com a defesa de O Cavaleiro das Trevas na Ronda 2.

Após ter ressuscitado das trevas o filme de super-heróis com Batman (1989), o então muito jovem Tim Burton regressava à personagem que lhe deu o seu primeiro retumbante sucesso de bilheteiras, mas desta vez com uma liberdade criativa total, que lhe permitia explorar mais a fundo o lado sombrio não só do seu protagonista, como também dos vilões que decidira incluir na história (Pinguim, Catwoman e um sinuoso homem de negócios chamado Max Shrek). O resultado foi Batman Regressa (1992), que além de ter feito uma carreira bem menos efusiva nas bilheteiras, teve uma recepção crítica mais pobre e ainda acumulou uma nomeação para os Prémios Razzie para o pior Actor Secundário do ano (Danny DeVito). É bem provável que por esta altura o leitor esteja já a perguntar-se como é que, perante este cenário, o autor do texto vai sequer tentar defender tal filme, especialmente tendo em conta que o faz contra O Cavaleiro das Trevas (2008), também ele a primeira sequela de uma nova versão de Batman, que além de ter feito números ainda mais impressionantes do que Batman – O Início (2005), se tornou num dos filmes mais aclamados criticamente dentro do género, e venceu um Oscar de Melhor Actor Secundário para o seu ‘vilão’, o malogrado Heath Ledger?

A verdade é que ambos os espécimes aqui em duelo são exemplos de cinema de autor construído no seio da grande máquina de Hollywood, e têm igualmente em comum o facto de serem assinados por dois realizadores que, após começarem as carreiras com títulos mais pequenos, aproveitaram a oportunidade de trabalhar com maiores meios e orçamentos, recuperaram o investimento dos estúdios, e imprimiram as suas impressões digitais nas respectivas sequelas. E é precisamente aqui que as coisas se separam. Porque Tim Burton é um realizador claramente mais ‘autista’, Batman Regressa funciona quase como um compêndio de obsessões que marcaram a sua carreira anterior e posterior. O seu herói (interpretado pelo comediante Michael Keaton) é um ser solitário que vive numa mansão sombria, apenas com a companhia do fiel mordomo Alfred. Em cada um dos vilões vê uma espécie de reflexão retorcida da sua própria existência (Pinguim é um órfão como ele, Shrek é um homem de negócios como ele, e a Catwoman é uma pessoa a quem um trauma pessoal a leva a esconder-se atrás de uma máscara como ele).

Tim Burton nunca tem medo de assumir o mundo de fantasia em que o seu universo tem lugar, nem se preocupa em demasia com as questões psicológicas e os paralelismos entre as suas diversas personagens. O universo aqui é o da banda desenhada pura e dura, uma parada de freaks com exércitos de palhaços e de pinguins a espalhar o caos. A antítese do que Nolan construiu com a sua saga, onde se chegava ao ponto de discutir conceitos de psicanálise (falava-se de Jung e de Freud), querendo à força conferir ao seu universo BD uma toada mais realista. Se para Tim Burton é absolutamente desnecessário explicar porque é que o Bat Mobile se transforma numa autêntica fortaleza blindada, Nolan cria uma personagem (interpretada por Morgan Freeman) cuja única função é explicar o funcionamento de todas as suas engenhocas – uma fraqueza recorrente na filmografia do realizador, incapaz de deixar o que quer que seja à imaginação do espectador.

Além de tudo isso, este escriba não se convence com o tom asséptico e monótono dos Nolan pós-Insónia, com as suas bandas sonoras sempre presentes e intrusivas, carregando ainda mais a abordagem de uma sisudez insuportável, que faz questão de citar o Heat – Cidade Sob Pressão (1995) de Michael Mann, para assim tentar enfiar as suas personagens num universo mais sóbrio, mas quando lhe dá jeito prefere ‘inventar’ uma artimanha qualquer sobre umas lentes Sonar num clímax final completamente amorfo e, como todo o filme, demasiado moralista para o seu próprio bem.

Apesar de menos aclamado, todos os elementos de Batman Regressa se unem para formar um todo perfeitamente harmonioso, divertido quando tem de ser, sombrio quando precisa, e muitas vezes absolutamente ácido e perverso – das inúmeras insinuações sexuais da Catwoman até a um nariz mordido que se esvai em sangue. O elenco é perfeito para as suas personagens (Michael Keaton, que passou dos excessos de Os Fantasmas Divertem-se para um Bruce Wayne/Batman muito discreto, Danny DeVito que tem a fisionomia e a personalidade para encarar o Pinguim na perfeição, Christopher Walken cuja mera presença é creepy que chegue em qualquer filme e, claro, uma Michelle Pfeiffer de uma fragilidade/força/sensualidade sem igual e que fazem da sua Catwoman a personagem mais forte do filme), o trabalho de maquilhagem, guarda-roupa, adereços e cenografia é totalmente irrepreensível (como sempre no cinema de Burton) e a banda sonora de Danny Elfman consegue ser tão heróica quanto sinistra e, acima de tudo, bem viva. O final é do mais operático que se pode desejar, assumindo de vez a dimensão trágica das suas personagens. Num mundo perfeito, os filmes de super-heróis seriam todos assim.

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