No contraste do olhar poético de uma rapariga de 11 anos, O Fantasma da Sicília conta-nos o horror dos raptos da máfia nos anos 90, baseando-se numa história real.
Escrito e realizado por Fabio Grassadonia e Antonio Piazza, numa adaptação livre de um conto de Marco Mancassola, sobre os trágicos acontecimentos reais que levaram ao desaparecimento e morte do jovem Giuseppe Matteo, às mãos da máfia, nos anos 90, O Fantasma da Sicília/Sicilian Ghost Story traz no curriculum a estreia no Festival de Cannes, o David de Donnatello para Melhor Argumento, e dois Nastro d’Argento da imprensa italiana.
Com a Sicília e a máfia em pano de fundo, O Fantasma da Sicília é uma história de amor, vista pelos olhos inocentes de adolescentes de 11 anos, numa idade em que sonho, fantasia e realidade são tão miscíveis quanto apaixonados e puros podem ser sentimentos e objectivos. Vista do lado da ficcional Luna (Julia Jedlikowska), a rapariga tímida que se enamora do confiante Giuseppe (Gaetano Fernandez), a história é uma tragédia anunciada, logo desde a primeira sequência – em que o ataque de um perigoso cão prenuncia as forças que o jovem par terá de enfrentar –, que, sem perder tempo, dá lugar ao rapto do rapaz, por mafiosos que tentarão, em vão, calar o seu pai, um arrependido que foi peça fulcral dos processos levados a cabo pelo juiz Giovanni Falcone no decorrer da famosíssima operação Mãos Limpas.
Mas máfia e política à parte, O Fantasma da Sicília é a história dos silêncios, medos e negações com que toda a cidade trata o desaparecimento – da casa de Giuseppe à de Luna, da escola à esquadra da polícia – numa conivência silenciosa com o sistema, que faz parte do ADN da ilha, e pode parecer absurda para quem nunca lá viveu. Por contraste, destaca-se a teimosia e persistência de Luna, não desistindo, continuando a acreditar no regresso do seu amado, e sonhando-o de modo quase místico, o que a leva a chegar mais perto que ninguém, mesmo que só na sua cabeça ou no seu coração.
Essa fuga para um plano fantasioso torna O Fantasma da Sicília uma experiência surreal, onde tudo parece um símbolo, da coruja – animal nocturno – que habita a cave rochosa de Luna, às metáforas visuais da água que, como ser vivo, parece unir e guiar todos os momentos e acções, numa cinematografia que passa pelo uso de uma névoa nos contornos da imagem, voos rasantes por texturas quase indecifráveis e o uso de um foco muito próximo, que ajuda a dar uma atmosfera onírica a muitas das sequências.
Mas se o sonho, a poesia e a pureza de Luna são o veículo, se o lado bucólico e selvagem da Sicília são a paisagem inóspita que ela percorre, é o terror da mensagem política e social que nos acompanhará depois de o filme terminar, na pergunta surda de como é possível que tais histórias continuem a acontecer.
Pese o seu carácter repetitivo, e um extremo auto-elogio das suas metáforas, que beneficiariam de uma edição mais austera, O Fantasma da Sicília é um filme tocante, com excelentes interpretações, e um olhar incómodo e original para uma realidade que nos devia envergonhar. No exemplo de Luna, os autores parecem dizer-nos que por vezes é necessário um olhar puro para se ganhar a perspectiva que as gerações antigas já perderam sobre a natureza do mal. Cannes concordou, e deu-lhes uma ovação de 10 minutos.
Review overview
Summary
Pese alguma repetição temática e visual que indicia um auto-elogio exagerado, O Fantasma da Sicília transpira originalidade na quase fábula de amores juvenis, como lente de pureza que melhor perspectiva nos dá sobre os horrores da história real do rapto e assassínio de um rapaz de 11 anos às mãos da máfia, nos anos 90.
Ratings in depth
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Argumento
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Interpretação
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Produção
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Realização