Restaurada digitalmente, a história imortal de Edmond Rostand, filmada em 1990 por Jean-Paul Rappeneu, volta às salas portuguesas, como um conto de fadas para nos encantar e emocionar.
Com honra de abertura na Festa do Cinema Francês de 2018, tendo a presença do realizador Jean-Paul Rappeneau, Cyrano de Bergerac regressa aos 22 anos depois, em virtude da apresentação da versão restaurada digitalmente.
Não querendo entrar na discussão dos méritos e deméritos das conversões do cinema ao formato digital, podemos dizer que tal passo não espanta num realizador (hoje já com 86 anos) que sempre soube aliar o cinema de qualidade (muito por mérito da sua experiência de argumentista) com o apelo popular, em histórias de grande sucesso.
De maior relevância é perguntarmo-nos que papel tem um personagem como o célebre Cyrano de Bergerac nos dias de hoje. Criação do dramaturgo e poeta francês Edmond Rostand em 1897 (num momento em que parecia já algo retrógrado, tanto por um romantismo então já fora de moda, como por se situar mais de 300 anos antes), Cyrano tornou-se, mais que um personagem, ou uma história (adaptada a todos os formatos possíveis), um arquétipo imortal, símbolo do amor inconfessado, do valor da aparência sobre a essência, do mérito que fica na sombra e da luta intransigente contra a hipocrisia e falsidade, mesmo à custa da vida do próprio lutador.
E se os contos imortais são sempre actuais, sempre úteis e necessários para nos fazer interrogar sobre quem somos e em que sociedade vivemos, Jean-Paul Rappeneau consegue lembrar-nos isso mesmo, e é logo aí que o seu filme triunfa. Com uma super-produção que não olha a custos para recriar o século XVII, período onde o fausto barroco coabitava com a pobreza esburacada e onde o galanteio poético vivia paredes meias com a brejeirice saloia. E Cyrano de Bergerac, respeitando a rima de Rostand (convém lembrar que toda a obra original é em rima), e movendo-se entre espaços elegante e nunca forçadamente (e convém também lembrar que a obra original foi escrita para o palco), consegue tudo isso, do dramatismo trágico da história ao humor de algumas situações, das rendas e espartilhos das damas à lama das ruas, entre o cavalheirismo aventureiro de espadachins já fora de tempo e os actos mais mesquinhos de um povo que só queria sobreviver.
E depois há os actores, com Gerard Depardieu ainda em forma, no titular Cyrano, ora quezilento e fanfarrão, ora humilde e resignado, a encabeçar um dos triângulos amorosos mais sui generis da ficção. É, afinal, um triângulo onde todos são cúmplices, com Cyrano a aceitar Christian (Vincent Pérez), que empresta a sua beleza como veículo para levar as palavras do primeiro até Roxanne; Christian que aceita que Cyrano fale (escreva) por ele para assim chegar mais facilmente àquela que deseja; e Roxane (Anne Brochet) que talvez feche um olho e se deixe embalar pela história de que o belo Christian tem o romantismo e capacidade de sedução pela palavra do poeta Cyrano. Numa estocada, Rostand faz-nos pensar sobre a natureza do amor: Pode-se amar-se sem olhar à aparência? Queremos ser amados, se não for por quem somos? Ama-se verdadeiramente se não sabemos de onde o mérito daquilo que pensamos amar?
Ao lado dos valores de produção, e do modo como Rappeneau dirige a acção, quase ao ritmo de um musical, Gerard Depardieu, Anne Brochet e Vincent Pérez são seguríssimos nas diferentes facetas dos seus personagens, dando-lhes expressão e profundidade, fazendo deles pessoas por quem podemos sentir. Por tudo isto, Cyrano de Bergerac continua actual e capaz de nos comover e fazer rir e numa estocada só, como Cyrano faria com a sua espada.
Review overview
Summary
Com ritmo de musical, e respeitando a rima de Rostand, o filme de Jean-Paul Rappeneau (agora restaurado digitalmente), continua a encantar, graças à sua produção, ao valor imortal da peça que adapta, e a um brilhante Gerard Depardieu, perfeito como o brigão e poeta Cyrano.
Ratings in depth
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Argumento
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Interpretação
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Produção
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Realização