Em antecipação da estreia na quinta-feira de Blade Runner 2049, a aguardada sequela realizada por Denis Villeneuve de Blade Runner: Perigo Iminente, fazemos durante esta semana uma retrospectiva do prodigioso filme de Ridley Scott de 1982 que foi ganhando um estatuto unânime de clássico ao longo dos anos.
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Depois do lançamento do Director’s Cut de Blade Runner: Perigo Iminente, a novela das versões do filme parecia encerrada. Mas o seu autor não pensava da mesma maneira. Ridley Scott, apesar de preferir a versão de 1992 em relação à versão estreada originalmente, nunca ficou totalmente satisfeito. Apontando a um lançamento em 2007, na comemoração dos vinte e cinco anos da estreia, juntou-se à Warner Bros. para completar a derradeira visão do seu incompreendido filme de ficção científica, entretanto elevado à condição unânime de clássico.
Para ser honesto, esta versão é praticamente a mesma que a anterior, com a vantagem de ter sofrido um makeover digital, não só através de uma remasterização, como através da limpeza de pequenos defeitos com a tecnologia à disposição na altura. Muitas destas correcções foram efectuadas sobre pequenos erros com os quais só mesmo o autor da obra poderia viver descontente, mas há três exemplos que são dignos de nota: a inserção da actriz Joanna Cassidy na cena da morte da sua personagem Zhora, substituindo o óbvio duplo masculino, com imagens filmadas um quarto de século depois! — feito inédito e sem precedentes; a sincronização dos lábios de Rick Deckard numa cena em que o áudio sempre esteve divorciado das imagens — feito também impressionante, conseguido com a mesma técnica filmando o diálogo com Ben Ford, o filho de Harrison com características físicas muito parecidas com as do pai; e finalmente, a cena da pomba no momento da morte de Roy, originalmente desligada do cenário em que ocorria, mas que agora destoa, tal a vivência que tínhamos com o original.
A grande mais valia desta edição foi a oportunidade, a nível global, para rever o filme no grande ecrã e a exaustiva edição de luxo — em DVD e, pela primeira vez, Blu-ray — que disponibilizou cinco versões do filme, o irrepreensível documentário making of Dias Perigosos: Nos Bastidores de Blade Runner e muitas horas de extras. De repente, o mundo tornou-se um lugar melhor para todos os indefectíveis fãs de Blade Runner: Perigo Iminente, e o trauma de retalhadas edições VHS foi-se desvanecendo nas brumas da memória.
Mesmo uma obra visionária como Blade Runner: Perigo Iminente não nasce cristalizada. Ao invés, é um processo em constante evolução desde a escrita, passando pela produção, até à pós-produção e, neste caso, mesmo durante anos após a sua estreia. Porque o consenso atual sobre o génio deste filme só se começou a formar anos mais tarde, precisamente com uma descoberta e exibição fortuita da cópia de trabalho originalmente exibida, o que não deixa de ser irónico pois, tal como contribuiu para o constrangimento da visão artística do seu realizador, também veio a contribuir em certa medida para a merecida reapreciação e redenção da mesma.
Passados dez anos do Final Cut, prepara-se para estrear a sequela que não era precisa e pela qual ninguém clamava. Mas a verdade é que ela existe. Blade Runner 2049, que estreia hoje nos cinemas, tem Denis Villeneuve na cadeira de realizador. Conta com Ryan Gosling no principal papel e com Harrison Ford de volta à personagem original Rick Deckard. Ridley Scott volta como produtor e Hampton Fancher, o argumentista que adaptou originalmente Do Androids Dream of Electric Sheep? de Phillip K. Dick — com a contribuição de David Webb Peoples — colabora desta vez com Michael Green na escrita do argumento. Se, por um lado há alguma ansiedade nesta revisitação a uma das maiores obras de Scott, à luz do que tem acontecido com as prequelas de Alien – O Oitavo Passageiro, por outro o timoneiro escolhido para levar este empreendimento a bom porto é o promissor realizador canadiano que, desde O Primeiro Encontro, parece estar na senda para se tornar o rei da ficção científica, tendo anunciado que o seu próximo projecto será uma nova versão do épico de Frank Herbert Duna.
Blade Runner 2049 não terá tarefa fácil, nem beneficiará de vinte e cinco anos para ser devidamente apreciado. Independentemente das suas virtudes ou defeitos, será julgado pela imprensa e público de todo o mundo no espaço de poucas horas após a sua estreia. A esperança é que seja um filme digno do seu predecessor, que provoque emoções e estimule ideias. Tenho-me mantido voluntariamente na ignorância em relação à sua premissa, bem como à forma como se relacionará com o filme original, porque gosto da ideia da novidade e da descoberta no escuro da sala de cinema. Espero que, num mundo obcecado por respostas, seja uma obra que saiba continuar a fazer perguntas e que entenda que, a maior parte das vezes, mais do que ter explicações, o que é realmente gratificante é saber questionar…