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Entrevista a José Pedro Lopes sobre A Floresta das Almas Perdidas

Pontuado por uma realização segura de José Pedro Lopes e um desempenho digno de atenção por parte de Daniela Love, “A Floresta das Almas Perdidas” mescla assertivamente elementos de terror (inclusive conta com uma faceta slasher), drama familiar e até humor negro, tendo tudo para ganhar o estatuto de filme de culto. “A Floresta das Almas Perdidas”, um exemplo raro de uma longa-metragem de terror “made in Portugal”, teve a sua estreia na edição de 2017 do Fantasporto e foi exibido pela primeira vez em Lisboa na oitava edição do FESTin. Posteriormente, a longa-metragem foi distribuída em circuito comercial pela Legendmain Filmes, indo ser lançada em BLURAY e DVD nos EUA a 9 de Outubro pela Wild Eye Releasing. A Take Cinema Magazine aproveitou o lançamento para publicar uma entrevista ao realizador José Pedro Lopes. A entrevista foi efectuada durante a cobertura da edição de 2017 do FESTin.

Take Cinema Magazine: Uma das informações que encontramos no site da Anexo 82 é que os elementos da produtora resolvem os problemas como o Macgyver (“Resolvemos problemas como o Macgyver“). Produzir, realizar e escrever o argumento de uma longa-metragem independente de terror, ainda por cima em Portugal, envolve ter o talento, a criatividade e a capacidade de improviso de Macgyver?

José Pedro Lopes: Sim, mas com uma grande diferença em relação ao Macgyver que é que não conseguíamos fazer o filme sozinhos. Contamos com muitos apoios na sua produção de gente que trabalhou connosco, ou nos apoiou logisticamente, e inclusive um apoio financeiro da Fundação GDA. “A Floresta das Almas Perdidas” é uma produção pequena, e foi preciso planear tudo muito bem para conseguirmos fazer os 25 dias de rodagem (que se espalharam ao longo de dois anos) e que envolviam ir filmar a locais muito complicados como o cimo do Caramulo ou o Lago Glaciar de Sanabria.

TCM: O José Pedro Lopes já realizou e produziu diversas curtas-metragens, algumas no registo do terror. É mais fácil produzir e realizar um filme de terror em Portugal ou conseguir convencer o público a assistir ao mesmo, ou encontrar meios de distribuição e exibição? 

JPL: Creio que Portugal não aposta no cinema de género.
Há muita gente que gosta e o faz (basta ver todas as curtas fantásticas de género que surgem no Fantas e no Motelx todos os anos). Mas financiar um filme neste registo é muito difícil. E distribuí-lo também, porque o público de cinema é escasso e é bastante céptico face a cinema nacional e ao de género.
No Fantas este ano tens uma retrospectiva de cinema de género argentino, e podes encontrar muitos filmes de género na América Latina, uns com mais sucesso que outros, e alguns a chegarem até às portas de Hollywood. Mas na América Latina há abertura a financiar cinema de género e a apoia-la. Muitos vem do fórum Blood Window da Ventana Sur. Outros são financiados por institutos de cinema. No Reino Unido ou no Canadá, mesmo na Europa de Leste, todos os anos filmes apoiados financeiramente por institutos são de género.
O cinema português tem muitos filmes bons, e imensa gente com talento. Aliás, viu-se isso na Berlinale. Inclusive a querer fazer fantástico. Mas o cinema de género e de terror, em Portugal, não tem a oportunidade que merece.

TCM: No “É a Vida Alvim“, o José Pedro Lopes salientou que na Ásia os cineastas não são tão presos a realizar o filme num único registo. Podemos dizer que essa mistura de registos do cinema asiático foi uma das inspirações para “A Floresta das Almas Perdidas”, onde encontramos uma mescla de terror, drama e salpicos de humor negro?

JPL: Definitivamente. “A Floresta” começa como sendo uma história de amizade, com algumas discussões bem portuguesas e divertidas. Mas é uma história sobe perda, e sobre uma família destruída. Mas tudo isto é abruptamente assombrado por elementos de terror que tomam controlo do filme. E é um filme com uma mensagem, sobre a sociedade actual. Parece um absurdo quando escrito mas quem vê o filme fica surpreendido pela extensa agenda narrativa e temática que tem.
É sem dúvida uma mescla. Muito terror, e muito muito drama, mas também bastante humor lusitano.

TCM: A influência asiática é ainda visível na floresta do título, inspirada na floresta de Aokigahara. Foi um desafio encontrar um local que satisfizesse as vossas pretensões para filmar as cenas na floresta?

JPL: A história é influenciada pela floresta de Aokigahara sim. Mas é uma história portuguesa. Ricardo (Jorge Mota) é uma personagem muito portuguesa, um pai corroído por não ter conseguido salvar a sua família de uma grande tragédia. Portanto para mim sempre foi uma história passada em Portugal.
Há muitas histórias de locais isolados, de abandono de idosos e suicídios, em Portugal durante o Estado Novo. Muitas delas na região de Trás-os-Montes, onde a história do filme se passa mas onde o filme não foi rodado. Foi um grande desafio encontrar locais impactantes que funcionassem bem e que fossem exequíveis na nossa logística.
A floresta que vem no filme é uma combinação de vários locais em pontos diferentes de Portugal e Espanha.

TCM: O encontro entre os personagens interpretados por Daniela Love e Jorge Mota conta com diversos momentos dignos de atenção. Como foram trabalhadas as dinâmicas entre os dois intérpretes? Aproveito ainda para perguntar como é que surgiu a entrada de ambos no elenco?

JPL: Eu já tinha trabalhado antes quer com a Daniela Love quer com o Jorge Mota. A personagem da Carolina foi já escrita a pensar na Daniela, e na sua forma de ser e abordar aquele tipo de personagem. Já o Jorge foi mais que uma escolha, uma oportunidade também. Ele pegou na personagem do pai de família e deu-lhe um carisma e uma atitude que não existia no guião. Ensaiamos um pouco antes do filme, mas a verdade é que a abordagem teatral que as cenas dos dois tem permitiu-nos repetir e experimentar ideias dos três. Foi tudo feito entre amigos.

TCM: A Daniela Love integrou o elenco da curta “Videoclube” da Anexo 82, bem como Tiago Jácome. A Mafalda Banquart trabalhou com o José Pedro Lopes na curta “M is for Macho”, também da Anexo 82. Podemos falar de um núcleo duro de intérpretes da Anexo 82?

JPL: Sim, e não só nos actores. O Francisco Lobo (Direção de Imagem) e o Emanuel Grácio (Compositor) são comuns a todos esses filmes. Somos todos amigos e trabalhamos nos projectos uns dos outros, e juntos tentamos fazer algo.

TCM: Tal como em “Survivalismo”, “A Floresta das Almas Perdidas” conta com uma grande reviravolta que surpreende o espectador. Se em “Survivalismo” essa reviravolta acontece perto do final da curta, já em “A Floresta das Almas Perdidas” acontece por volta dos trinta minutos do filme, embora a longa-metragem esteja longe de apenas poder ser recordada ou definida por esse momento. Essa reviravolta já estava pensada desde o inicio ou foi ponderada durante o desenvolvimento do argumento?

JPL: Inicialmente “A Floresta das Almas Perdidas” era uma “pitch” de curta-metragem que apresentei no Pitching Forum do FEST Festival Novo Cinema Novos Realizadores de Espinho (um fórum de co-produções). Já ali o filme tinha a estrutura da amizade na floresta que vira crime macabro. O “Audition” to Takashi Miike é uma grande referência para essa parte do filme. Quando crescemos para fazer o filme uma longa é que quis explorar melhor o lado da família destruída e do impacto devastador que o suicídio tem na família que fica. É um tema muito pessoal e muito forte para mim. No entanto, a reviravolta ao minuto 30 tem um objectivo muito forte: o Jorge Mota é uma personagem tão calorosa e familiar, e a Daniela Love tem destrambelhada mas afável que quando descobrimos a verdadeira natureza da relação deles a escuridão é mesmo absoluta. No entanto para mim o filme tem também um segundo ‘twist’, até mais relevante nos minutos finais. Quando percebemos a verdadeira natureza do criminoso em questão.

TCM: Nota-se que existiu todo um cuidado para que o enredo do filme não estivesse dependente dessa reviravolta. Para além de produzir e realizar o filme, o José Pedro Lopes ainda é o argumentista. Qual foi o maior desafio para evitar que a reviravolta se “sobrepusesse” ao filme como um todo?

JPL: Na realidade a estética do filme foi o que mais contribuiu para que o argumento do filme pudesse torcer-se tanto sem o filme ficar caricatura, ou absurdo. “A Floresta” está sempre filme num preto e branco muito cheio de informação e carregado, e o ambiente sonoro do filme é sempre pesado e a música constante. É um filme tudo menos “low fi” na sua estética, e esse peso garante que o argumento pode mudar, mas a tristeza absoluta do mundo onde estas personagens estão oprime tudo isso. É curioso no entanto que apesar de toda esta escuridão, o público do Fantas considerou o filme muito divertido e aberto.

TCM: O José Pedro Lopes é um dos fundadores do C7nema, tendo escrito diversas críticas para o site. Embora já tenha realizado diversas curtas, “A Floresta das Almas Perdidas” é, provavelmente, o trabalho que realizou que se encontra a ter mais repercussão junto da imprensa e da crítica. Qual foi a relevância dessa “bagagem” cinéfila e crítica, bem como da experiência acumulada com o trabalho como produtor e realizador de curtas-metragens, para a elaboração de “A Floresta das Almas Perdidas”?

JPL: Creio que é importante respeitar todos os nossos relacionamentos, e o trabalho dos outros. No c7nema conheci muita gente, e como produtor de conteúdos e cinema também. Tentei dar sempre o meu melhor. O filme teve impacto sem dúvida junta da comunidade “online” que gosta de cinema, e das pessoas que vão ao Shortcutz ver curtas, ou ao Fantas e ao Motelx. Mesmo que o cinema esteja em grande desvantagem no espectro do que interessa às pessoas, há muita gente que gosta e no final podemos ser todos amigos. A nível internacional, a colocação do filme no registo de terror também chama uma comunidade, ou várias. O filme tem contado com muito apoio do movimento Women in Horror que celebra a mulher no cinema de terror e a igualdade de género. As minhas curtas anteriores, tal como “A Floresta das Almas Perdidas”, são filmes abertamente igualitários.

TCM: “A Floresta das Almas Perdidas” teve a sua estreia no Fantasporto. Agora passa pelo FESTin. Qual o papel dos festivais de cinema para uma longa-metragem independente como “A Floresta das Almas Perdidas”?

JPL: Conseguir ser distribuído comercial é muito difícil, ainda mais em Portugal. Os festivais permitem teres o filme em espaço que quem gosta de cinema frequenta e vai, sem te perderes numa imensidão de hipóteses. Conseguir passar o filme em estreia no Teatro Rivoli e depois no Cinema S. Jorge, em festivais que quem gosta de cinema vai, é o melhor cenário possível para um filme autoral como o nosso. A partir daí podemos trabalhar para ver se o fazemos chegar a todas as outras pessoas que o podem querer ver, mas que não são cinéfilos. Espero que sim – de uma forma ou de outra, espero que quando se fale de terror português as pessoas volta e meia lembrem-se daquele filme parvo do Porto da assassina que fumava e citava Nietzsche.

TCM: Muito obrigado pela atenção disponibilizada.

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