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[Doclisboa 2018] Yours in Sisterhood

de Irene Lusztig

muito bom

Se as cartas são uma forma peculiar de conversa, em que a distância física e a passagem do tempo são reconhecidas, Yours in Sisterhood é o retrato de uma conversa a muitas vozes sobre o feminismo. O filme desenrola-se em torno de um conjunto de cartas de leitoras não publicadas, enviadas para a revista Ms. entre 1972 e 1980. Conscientes da importância de que os relatos pessoais de mulheres e homens provenientes de todas as partes dos Estados Unidos poderiam revestir-se, os editores doaram esta peculiar colecção à Schlesinger Library, da Universidade de Harvard. Foi ali que Irene Lusztig encontrou uma diversidade estonteante de perspectivas sobre o feminismo na década de 70, desde a partilha franca de experiências pessoais à crítica informada da homogeneidade do feminismo da época, que, não muito longe do que acontece ainda hoje nos meios com maior visibilidade, tendia a universalizar a perspectiva das mulheres brancas, heterossexuais e de classe média. Lusztig retoma o tema do primeiro número da Ms. (1971), sisterhood [irmandade de irmãs], para voltar a investir este termo da complexidade que torna o feminismo urgente e actual. Se, como afirma bell hooks, a sisterhood é uma “crítica do inimigo interior” – o sexismo interiorizado pelas próprias mulheres -, que lhes permite dar as mãos em solidariedade, para que esta irmandade seja plena é necessário reconhecer as desigualdades que prevalecem entre as próprias mulheres.

Lusztig dirigiu-se aos vários locais de proveniência das cartas para aí procurar mulheres dispostas a emprestar-lhes as suas vozes. Após lerem as cartas perante a câmara, partilharam as suas impressões sobre elas e as suas próprias perspectivas, ora próximas, outras distantes e curiosas a respeito das experiência das autoras, na sua maioria desconhecidas. Importa referir que a Ms. era uma revista de grande tiragem, chegando mesmo aos lugares mais remotos dos Estados Unidos. Por esse motivo, propiciou a muitas mulheres o seu primeiro encontro com o feminismo e, sobretudo, a possibilidade de olhar para lá dos limites impostos pelos seus quotidianos. Deste modo, Yours in Sisterhood é igualmente o retrato de um país “amplo, vazio, com muita solidão e poucos espaços públicos”, como referiu Lusztig na discussão após a projecção do filme. A vastidão dos Estados Unidos e a vida das pequenas localidades são habilmente captadas pelo trabalho de sonoplastia, assinado por Maile Colbert. Tal como as próprias imagens, também o som é despido de artifícios, captando na sua crueza a distância entre lugares e pessoas, mas também a sua concretude e presença. Inscrevendo-se numa tradição de documentários que contam a história das mulheres “vista de baixo”, (como Winter Adé, de Helke Misselwitz), Yours in Sisterhood é um filme belo e actual, que volta a afirmar: apenas serei livre quando todas formos livres.

 

 

Crítica assinada por Filipa Cordeiro, convidada pela Take Cinema Magazine

Review overview

Summary

Partindo de uma proposta simples – pedir a mulheres para lerem e comentarem cartas escritas por outras mulheres há mais de 40 anos –, Irene Lusztig tece um retrato complexo e vital do feminismo.

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