“Eu não estou à procura da perfeição nos filmes que faço, estou à procura de espontaneidade” comenta William Friedkin em determinado ponto de “Friedkin Uncut”. Essa originalidade que o cineasta procura captar e transmitir está presente não só nos seus trabalhos, mas também no seu modo de se expressar, algo notório ao longo desta masterclass em formato de documentário. O realizador Francesco Zippel aproveita o carisma, o talento nato de William Friedkin para dialogar e a relevância das obras que este criou para efectuar um documentário dinâmico, interessante e capaz de escapar a algumas armadilhas inerentes aos convencionalismos que fazem parte desta película. Marcado por uma reunião de entrevistas, trechos de filmes, vídeos e imagens de arquivo, “Friedkin Uncut” leva-nos a uma viagem guiada às fitas do cineasta do título, bem como às peripécias que envolveram o desenvolvimento das mesmas e aos métodos de trabalho deste nome de relevo da Sétima Arte.
“Para mim, as duas principais figuras da História do Mundo são Hitler e Jesus” diz William Friedkin numa fase inicial do documentário, quase como aquecimento para falar sobre a relação entre o bem e o mal, um tema que serve para Francesco Zippel chegar a “The Exorcist”. Ficamos diante de algumas cenas poderosas do filme e de um dos principais atributos de “Friedkin Uncut”, nomeadamente, a assertividade com que coloca em diálogo a matéria-prima que tem à disposição, seja esta as falas dos entrevistados, os trechos das fitas ou as imagens de arquivo. No caso de “The Exorcist” encontramos nomes como Wes Anderson, Ellen Burstyn, Walter Hill, Francis Ford Coppola a abordarem elementos sobre o que torna a obra tão especial, a sua relação com a mesma, ou algumas curiosidades relacionadas com os bastidores ou o contexto da época. Note-se o caso de Ellen Burstyn a salientar o momento em que Max Von Sydow bloqueou a proferir um diálogo, ou a ocasião em que encontramos o realizador de “Pulp Fiction” a mencionar que foi proibido pela progenitora de ir ao cinema ver aquele que foi um filme-evento em 1973.
“Friedkin Uncut” regressa mais tarde a “The Exorcist”, ainda que para abordar a entrada de Jason Miller no elenco, naquela que é uma oportunidade para Francesco Zippel expor um exemplo bastante ilustrativo da maneira precisa e muito particular como o cineasta do título escolhia os actores e actrizes que integravam as suas obras. Na época um estreante nas lides cinematográficas, Jason Miller entrou para o lugar de Stacey Keach devido a William Friedkin considerar que o debutante poderia dar algo mais ao personagem de Padre Karras, uma decisão que se revelaria acertada, um pouco à imagem da aposta em intérpretes relativamente desconhecidos para fazerem parte do elenco de “To Live and Die in L.A.”. A entrada em cena do filme de terror no início da fita permite que o realizador fuja temporariamente à tentação de seguir uma estrutura cronológica para documentário, pelo menos até deixar que as palavras de William Friedkin conduzam um pouco por esse caminho, ainda que com alguns ziguezagues temporais pelo meio, enquanto percorremos diversos episódios da vida profissional do director de “Killer Joe”.
Por vezes ocorrem omissões, ou algumas películas são praticamente esquecidas, sejam estas “Good Times” ou “The Birthday Party”, com estes esquecimentos a remeterem para o facto de Francesco Zippel preferir centrar as atenções nas obras mais marcantes ou conhecidas deste nome de peso da “Nova Hollywood”. Observe-se como o sucesso do realizador como documentarista em “The People vs. Paul Crump” serve de ponte para chegarmos a “The French Connection”, um dos seus trabalhos mais memoráveis. Não faltam alguns trechos desta obra, a menção à influência do cinema verité, bem como detalhes dos perigos que envolveram as filmagens de algumas das cenas de acção e a demonstração do apreço que William Friedkin tem pelo modo como Buster Keaton filmava perseguições. Essa procura de criar algo grandioso ou marcante para captar através da câmara é visível quando ficamos perante diversos trechos de “The Sorcerer”, uma fita que fracassou nas bilheteiras mas teve o condão de mais tarde ser reavaliada pela crítica e o público.
As peripécias e as dificuldades que envolveram as filmagens de “The Sorcerer” são sobejamente conhecidas, tal como a admiração que a longa-metragem desperta. Um dos admiradores desta tarefa hercúlea que William Friedkin encetou para realizar “The Sorcerer” é Quentin Tarantino, um dos entrevistados mais entusiasmados. Diga-se que outra das qualidades de “Friedkin Uncut” é a assertividade na escolha das falas dos convidados, com a maioria dos trechos inseridos a exibir um núcleo de figuras disponíveis e empolgadas. Entre os entrevistados encontram-se ainda o actor Willem Dafoe e o director de fotografia Caleb Deschanel, com estes dois elementos a exporem um pouco dos métodos de trabalho peculiares e práticos de William Friedkin. Observe-se os relatos da forma demasiado meticulosa com que o dinheiro foi falsificado durante as filmagens de “To Live and Die in L.A.” ou o método de gravar tudo praticamente ao primeiro ou segundo take, mesmo que algumas imperfeições sejam captadas pela câmara.
No decorrer do documentário ficamos ainda diante da presença de William Friedkin em diversos certames internacionais (inclusive no Festival de Veneza em 2017, onde apresentou “The Devil and Father Amorth”), bem como de algumas porções de “Bug” e “Cruising”, com a polémica provocada por esta última a não ser esquecida, tal como a simplicidade dos objectivos que o cineasta tinha para a fita. Longe de se considerar um artista, a figura do título apresenta uma postura franca, prática e directa, por vezes demasiado pronta a reduzir a relevância do seu trabalho. As suas falas são dotadas de interesse e colocadas eficazmente em diálogo com as suas películas e os depoimentos de outros convidados, algo que eleva “Friedkin Uncut”, um documentário que aproveita e muito o carisma e o talento da figura retratada para sobressair e deixar a sua própria marca. É certo que nunca ficamos diante de um retrato completo deste elemento ou capaz de desafiá-lo. A espaços até contamos com algumas lacunas na abordagem das obras. No entanto, também é praticamente impossível não sair do documentário com o desejo de rever algumas das fitas mencionadas. Acima de tudo estamos perante um filme-aperitivo que serve quer como porta de entrada para William Friedkin, quer como um meio que permite reforçar a nossa admiração pelo cineasta e as suas obras.
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Summary
Um filme-aperitivo que serve quer como porta de entrada para William Friedkin, quer como um meio que permite reforçar a nossa admiração pelo cineasta e as suas obras.
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