A premissa de “Fotbal Infinit” é relativamente simples. Ao ser confrontado com a informação de que Laurentiu Ginghina, o irmão de um amigo, inventou um desporto a partir da alteração das regras do futebol, o realizador Corneliu Porumboiu partiu para Vaslui, a sua terra Natal, acompanhado por uma pequena equipa e imensa curiosidade, tendo em vista a saber um pouco mais sobre o tema. Essa simplicidade é contrastada com a capacidade do cineasta para aproveitar este ponto de partida e as falas do entrevistado para abordar assuntos como as expectativas frustradas, os sonhos por realizar, a burocracia da Roménia, a sensação de imobilidade laboral e a procura de fugir às regras, enquanto se exibe como um excelente entrevistador e co-protagonista. Capaz de fazer as perguntas certas e de captar a realidade de Laurentiu Ginghina, Corneliu Porumboiu conta com algo fundamental para elevar uma entrevista ou um documentário: um entrevistado disponível e interessante. Ginghina expõe diversos pormenores que atribuem vivacidade ao seu discurso, lança-se em quase monólogos que estimulam a nossa curiosidade e a nossa capacidade de imaginar ao mesmo tempo em que demonstra a sua criatividade e obstinação para alterar as regras do futebol ou contribuir para uma espécie de segunda versão deste desporto.
Como surge esta ligação do protagonista ao desporto-rei? Os momentos iniciais do documentário permitem que fiquemos a conhecer um pouco dessa relação, com a figura central de “Fotbal Infinit” a exibir o espaço onde jogava futebol com os amigos durante o Verão e a relatar os episódios que viveu no local, sobretudo um que deixou marcas no seu corpo, em particular, um jogo no qual levou um forte pontapé numa disputa de bola que resultou num perónio partido e na impossibilidade de efectuar os testes para entrar no curso que pretendia. Diga-se que essa lesão contribuiria ainda para outro problema, nomeadamente, uma tíbia partida durante o cumprimento de uma tarefa, um episódio que ocorreu a 31 de Dezembro de 1987, quando esta figura se encontrava a trabalhar numa fábrica. Ginghina relata este acontecimento com detalhe quer através das palavras, quer dos gestos, uma situação particularmente notória quando o encontramos a simular o esforço que teve de fazer para ir a pé do trabalho até casa. É então que “Fotbal Infinit” começa a apresentar-nos as ideias do protagonista para o futebol: o campo perde a sua faceta rectangular e adquire características octogonais, a regra do fora de jogo é repensada, tal como o posicionamento dos jogadores em campo. Todos estes processos têm sido maturados ao longo do tempo e conhecido uma série de avanços e recuos, com estas transformações a estarem umbilicalmente ligadas ao contexto pessoal e profissional de Ginghina.
Em determinado ponto do filme, o realizador acompanha o protagonista pelo seu local de trabalho, um espaço onde labora há mais de vinte anos. Ginghina é um pequeno burocrata local, que pouco ou nenhum poder tem e conta com rotinas monótonas e modorrentas. É neste espaço que se compara aos super-heróis com vida dupla, que salvam a humanidade e a cidade mas na “vida real têm empregos insignificantes”. Em certa medida, este é um pouco como todos nós, ou, pelo menos, como aqueles que anseiam por mudar algo, ou em materializar os seus sonhos, ou em sair de um emprego que provoca insatisfação ou uma sensação de imobilidade. Quais as razões para esta figura não ter tentado mudar de trabalho? A verdade é que tentou, algo que expõe de modo detalhado e permite mais uma vez a “Fotbal Infinit” utilizar as palavras deste indivíduo e das figuras com quem este contacta para extrapolar a premissa e envolver-se por assuntos mais profundos. Note-se como a entrada em cena de uma idosa e do elemento que a acompanha contribui para explanar os labirintos da burocracia romena e o quanto ainda falta resolver de assuntos que remetem para o período imediatamente posterior à queda de Nicolae Ceauşescu (a sua “herança” ainda está presente), ou como a procura de Ginghina mudar o jogo relaciona-se com uma utopia de transformação do Mundo.
As palavras deste sujeito sobre a União Europeia permitem exibir um certo desencanto em relação às possibilidades que esta não proporcionou à Roménia e aos romenos a partir do momento em que entraram na mesma, para além de contribuírem para Corneliu Porumboiu demonstrar novamente a sua habilidade a utilizar o discurso do entrevistado para tocar em assuntos complexos. O cineasta recorre a planos relativamente longos e simples para expor os quase monólogos da figura central do documentário e as especificidades de alguns dos espaços por onde circula ao lado deste. Por vezes tudo parece filmado de modo demasiado trivial e a roçar o desmazelo, sobretudo quando somos colocados diante do cabo de um microfone, mas esse despojamento a espaços contribui e muito para deixar as atenções recaírem no protagonista e nas suas palavras. O realizador também conta com algum destaque à frente das câmaras, com a sua atitude a assemelhar-se quase à do espectador que pretende saber mais sobre o elemento central do documentário. Entre sonhos perdidos, objectivos por realizar, a burocracia da Roménia e a faceta pouco inclusiva da União Europeia, “Fotbal Infinit” parte de uma proposta peculiar para alterar as regras do futebol e criar um novo desporto para expor algo dotado de interesse e bem mais intrincado do que a primeira percepção que temos do filme pode dar a entender. A juntar a isso ainda dá a conhecer o resiliente Laurentiu Ginghina, uma figura peculiar com quem facilmente criamos empatia.
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Summary
Entre sonhos perdidos, objectivos por realizar, a burocracia da Roménia e a faceta pouco inclusiva da União Europeia, "Fotbal Infinit" parte de uma proposta peculiar para alterar as regras do futebol e criar um novo desporto para expor algo dotado de interesse e bem mais intrincado do que a primeira percepção que temos do filme pode dar a entender. A juntar a isso ainda dá a conhecer o resiliente Laurentiu Ginghina, uma figura peculiar com quem facilmente criamos empatia.
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