Com o Natal à porta, a Take decide recordar uma pequena selecção de filmes cuja acção decorre durante a época festiva. No entanto, nem todos os filmes natalícios têm a paz e o amor como pano de fundo.
Depois do sucesso retumbante de Batman (1989), Tim Burton teve carta branca e total liberdade criativa dos estúdios da Warner para realizar a sua sequela três anos mais tarde. E esta, situada numa Gotham City coberta de neve, continua a ser ainda hoje a sua grande obra-prima, e um dos melhores filmes alguma vez produzidos dentro do género dos super-heróis.
Desde o início que percebemos que Burton nos iria conduzir por caminhos mais sombrios do que os do primeiro filme. Logo na primeira sequência, depois de darem à luz uma criança deformada, os aristocráticos Cobblepot despejam o recém nascido a bordo de um berço pelos corredores escuros dos gigantescos esgotos da cidade. Anos mais tarde, esse bebé dá-se a conhecer com o seu gangue de marginais em plena quadra natalícia em Gotham, nascendo assim o Pinguim (Danny DeVito). A juntar-se a ele como vilões da história temos ainda Max Schreck (Christopher Walken), um empresário manipulador, e a sua dedicada secretária Selina Kyle (Michelle Pfeiffer), que depois de atacada pelo patrão, se transforma na perigosa Catwoman. Ah, e como o filme se chama Batman Regressa há ainda espaço para a figura do Homem-Morcego, a quem Michael Keaton deu corpo pela segunda vez.
Uma das mais recorrentes críticas feitas a Batman Regressa prende-se precisamente na ideia de que o seu herói tem um protagonismo muito reduzido em comparação com os vilões, personagens muito mais interessantes do que as de Bruce Wayne. Na verdade, o que o torna especialmente interessante é que cada um desses vilões se revela como uma face diferente do protagonista – tal como o Pinguim, Bruce Wayne foi obrigado a crescer sem pais; tal como Max Schreck, é um empresário com muito dinheiro; por fim, tal como Selina Kyle se esconde por baixo da máscara da Catwoman, também Bruce Wayne se esconde atrás de Batman, vivendo uma vida dupla. Esse jogo de espelhos torna tudo muito interessante e, por outro lado, poupa-nos às divagações psicanalíticas nas quais anos mais tarde Christopher Nolan iria mergulhar de forma a parecer que estava a falar de algo muito profundo.
Batman Regressa eleva também o estilo gótico de Burton ao expoente máximo, e a fotografia e os cenários são todos tão monocromáticos que o filme quase poderia ter sido rodado a preto-e-branco, excepto quando as imagens são pintadas pelas ocasionais e agressivas cores natalícias, que lhe conferem algum desconforto de tão deslocadas que parecem ser. O Natal acaba por ser um tema omnipresente, e não por acaso: nada como situar um grupo de personagens traumatizadas e solitárias na mais familiar das quadras festivas. E quando alguns dos seus principais símbolos são associados à morte (a bela Miss que cai do alto sobre o botão que inaugura a iluminação da árvore de Natal, ou o significado do beijo debaixo do azevinho, por exemplo), creio que estamos conversados em relação ao tom de todo o empreendimento.
Tal como muitos filmes de Tim Burton, este não prima propriamente por um argumento engenhoso, interessando-lhe sim o grupo formado pelas suas personagens marginais e solitárias, à volta das quais consegue criar todo um mundo de sonho (ou pesadelo) e exprimir na perfeição as suas imagens de marca. Nesse aspecto, parece um dos mais genuínos títulos do seu realizador, repleto de sequências fantásticas musicadas por um Danny Elfman também particularmente inspirado, algo que se vê desde a já falada abertura. Essa sequência, aliada à belíssima Michelle Pfeiffer, altamente sensual no seu fato de látex, marcaram indelevelmente a infância deste que vos escreve.