É pelo olhar atento e irreverente de Paulo Carneiro que acompanhamos o realizador na sua primeira longa-metragem. É neste documentário, rodado em Bostofrio – concelho de Boticas -, que o olhar de quem procura assenta sobre os segredos desta pequena aldeia. A Take Cinema Magazine teve o gosto em falar com o realizador sobre o filme que chega agora às salas portuguesas.
Bostofrio estreia a 7 de Novembro
Quais os cuidados que teve ao retratar a humanidade das histórias contadas em Bostofrio?
Acho que acima de tudo respeito, mas acredito e defendo que isso é essencial à minha ideia daquilo que é o cinema.
A cenografia assumiu um papel principal aliado à entrevista direta. Quais foram os desafios para obter essa “realidade nua”?
A própria localização geográfica de Bostofrio despe-se perante nós e é tudo muito rico, quase alegórico, “serras sobrepostas a serras e paisagens infinitas” citando Torga. Esta natureza acaba também por representar a rigidez das pessoas porque vivem rodeadas por montanhas e o próprio clima ou a dureza da terra fá-las aguçar o engenho. Por isso era para mim importante filmar desta maneira, quase sempre em plano geral. Queria que a paisagem assumisse o seu papel presente e passado, na forma como moldou o carácter das gentes. Depois deixa-me que te diga que acho que são mais conversas, talvez se fale em entrevistas porque eu pergunto muito, mas esse dispositivo vem sobretudo pela dificuldade que tinha em que as pessoas desvendassem uma série de segredos ou meias verdades, daí a sinopse dizer “para desenterrar a história dos seus avós”.
Quais os maiores constrangimentos que encontrou na produção?
No geral foi sobretudo o frio. Chegávamos a filmar com -10º, coisa que acho que só se “sente” em alguns momentos do filme. Nunca foi para nós importante ter uma estrutura maior do que aquela que utilizámos, uma equipa de 4 pessoas.
Em algum momento, enquanto entrevistador, sentiu que desvendar o passado poderia interferir com o resultado final? Como lidou com isso enquanto realizador?
Não sei se percebo muito bem a pergunta sendo que grande parte das coisas que descubro no filme são também inéditas para mim. Foi sobretudo difícil lidar com as coisas que feriam ou desrespeitavam directamente a minha família, no entanto, fazer um filme é um pacto que se faz connosco e com o outro, o filmado. Desde o início considerei que seria importante jamais julgar qualquer tipo de afirmação que se fizesse, acho que existem apenas um ou dois momentos em que não resisto a isso.
Como foi encontrar uma aldeia rica em segredos pessoais? Moldou o resultado final que vemos em Bostofrio?
Completamente. É uma coisa muito forte esta ideia da presença de um diabo que controla uma série de situações no passado, entre o Minho e Trás-os-montes há uma mistificação muito forte de certos acontecimentos. Acho que esses segredos têm uma relação com a herança deixada pelo estado novo e pelo poder da igreja nessa época.
Claramente moldou o resultado do filme porque ramificou-o e isso só o tornou mais rico, porque o fugir ao assunto questionado levou-me a vários caminhos através do veículo que eu tinha definido desde o início (a busca por uma imagem do avô).
A jornada pessoal é palpável pela presença ativa que teve. Ainda hoje, após a conclusão das gravações e edição, sente que o ganho é visível em si?
Claro! A todos os níveis. Sempre defendi que para mim o cinema e indissociável da vida e este filme só me veio confirmar que é difícil eu poder desenvolver filmes sem comprometimento pessoal.
Qual espera ou deseja ser a jornada do público português aquando do visionamento do filme?
Agora que o filme encontra o seu público fora do circuito de festivais eu gostava que tivesse um efeito espelho e que as pessoas se entusiasmassem com aquilo que está ali. Que respeitassem aquele Portugal e que através do boca-a-boca o dessem a conhecer com entusiasmo a outros. É algo romântico, mas é isso que me entusiasma.
O que podemos esperar no seu próximo projeto?
Um filme de mais extremos. Filmado na cidade e durante a noite. Já estou a trabalhar nele.
Quer deixar algumas palavras aos leitores da Take Cinema Magazine?
Vão ver o Bostofrio às salas e acreditem que o cinema ainda tem o poder de nos vermos e nos aproximarmos. Decerto sairão entusiasmados da sala.
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