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[BEAST 2019] Animus Animalis (a story about People, Animals and Things)

de Aiste Zegulyte

muito bom

“Animus Animalis (a story about People, Animals and Things)” coloca-nos diante da vida e da morte, da realidade e da artificialidade, quase sempre a ter o seu subtítulo como mote. É um documentário que se embrenha pelo modo como as pessoas se relacionam com os animais e entre si, seja em actividades como a caça ou a cuidar de uma criatura ferida, ou a organizar uma exposição. Esses pontos de encontro e desencontro relacionados com a vida e a morte remetem em grande parte para a prática de taxidermia e para as figuras criadas pelos profissionais da área que povoam o documentário. Extremamente realistas, dotados de um olhar que tanto parece vazio como carregado de uma estranha atitude perscrutadora, estes bichos aparecem regularmente como um exemplo do perfeccionismo colocado pelos elementos envolvidos nestas práticas que tanto servem fins científicos como de exaltação de troféus de caça ou de recordação da memória de certas espécies. É uma prática que remete não só para um desafiar da morte e da decomposição dos corpos, mas também para o modo como o ser humano encara a finitude.

Sem recorrer à narração em off ou a “cabeças falantes”, a realizadora Aiste Zegulyte apresenta-nos a caçadores, criadores de veados, taxidermistas e trabalhadores de um museu. Não ficamos a conhecer a personalidade de cada um destes elementos, nem esse parece ser o desejo da cineasta. O que ficamos a perceber é a dedicação de cada um ao seu ofício, seja a tratar de um animal ferido, ou a utilizar a pele de um réptil ou a criar os modelos para as figuras que elaboram com rigor. No museu, encontramos alguns destes animais em exposição, no interior de um ambiente que visa dar a conhecer quer o aspecto das criaturas, quer o seu habitat. A artificialidade destes cenários é contrastada com o início do documentário, quando o design de som potencia um pouco o mistério e um certo ambiente onde o real e o ficcional se confundem, os diálogos escasseiam e a neve assume um papel preponderante. Quem também assume um papel preponderante são os animais. Os close-ups nos rostos destes modelos inanimados potenciam essa relevância e um estranho efeito, com Aiste Zegulyte a captar com algum acerto a misteriosa aura emanada pelas criaturas, quase como se estas conservassem um segredo que não podem revelar.

A certa altura do filme, encontramos um conjunto de cervos a correr. Estes trechos são intercalados de forma exímia com o transporte de um grupo de modelos, entre os quais de um cervo que parece olhar atento para aqueles que ainda contam com uma centelha de vida. É um dos momentos mais marcantes do documentário, com a vida e a morte a encontrarem-se a pouca distância enquanto as fronteiras da realidade e da artificialidade são esbatidas. De um lado temos a vida. Do outro, temos a ilusão de uma existência. “Animus Animalis (a story about People, Animals and Things)” opta regularmente por deixar-nos diante dos acontecimentos que retrata, sem grandes introduções ou explicações, enquanto somos levados de rompante para o interior de realidades que contam com alguma conexão entre si. Note-se como os chifres dos veados são úteis para os modelos criados pelos taxidermistas, ou a competição desenvolvida num museu onde estes animais inanimados são colocados em disputa pelo título de “mais realista”. Temos ainda uma cerimónia religiosa onde a estranha relação entre os homens e os animais é colocada em realce. Observe-se o jovem que mexe na pele de diversas raposas embalsamadas que adornam o chão da igreja, ou os chifres de um ruminante que se destacam junto de uma cruz, com este espaço a englobar no seu interior a reunião de práticas que atravessam a humanidade ao longo do tempo, em particular, o culto religioso e a caça.

Aiste Zegulyte não condena nem incentiva a caça ou a prática de taxidermia, uma decisão que aguça a nossa relação com aquilo que estamos a observar. No entanto, por vezes fica a sensação de que poderia existir um pouco mais de aprofundamento dos assuntos que são lançados para o interior de “Animus Animalis (a story about People, Animals and Things)” e das realidades apresentadas, algo que não acontece. O documentário percorre um caminho sempre mais enigmático, menos didático (no sentido positivo do termo), pronto a esbater fronteiras (inclusive do documentário e da ficção) e a estimular a nossa capacidade de interpretar as imagens. Um percurso que é atravessado com alguma segurança e capacidade de provocar um estranho efeito junto daqueles que caminham por estas estradas cinematográficas.

Review overview

Summary

"Animus Animalis (a story about People, Animals and Things)" coloca-nos diante da vida e da morte, da realidade e da artificialidade, quase sempre a ter o seu subtítulo como mote.

Ratings in depth

  • Argumento
  • Produção
  • Realização
3.15 10 muito bom

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