Melhor Batman que o cinema já viu. A única transposição fiel dos traços essenciais que fazem de Batman aquilo que ele é. Ben Affleck É Batman, os haters que comprem um frasco de Tabasco, reguem o sapo, e engulam-no.
Está a anos-luz de Man of Steel. Finalmente, o essencial de Super-Homem está retratado num filme: um alienígena, sobrevivente solitário de um planeta destruído, o ser mais poderoso da Terra com a cabeça de um jovem de interior rural dos Estados Unidos da América (ou desse ideal, herdado de 1938, data de criação do personagem). Henry Cavill convence mais nesta segunda aparição.
Wonder Woman. Aka WW. Wow. ‘Ah e tal, luta entre Batman e Super-Homem, quem ganha?’ Ganha a Mulher-Maravilha. Ela aparece (pouco) e torna-se complicado olhar para mais seja o que for. Venha 2017 e o filme a solo da moça. Que poderio.
Jesse Eisenberg como Lex Luthor é Jesse Einseberg como Mark Zuckerberg, só que com um problema mais grave. Jeremy Irons como Alfred Pennyworth: difícil esquecer o Alfred de Michael Caine; talvez tenha sido para distanciar a sua abordagem que Jeremy Irons optou por um tom mais austero do que eu estava à espera. Mas isto eram expectativas minhas, e o senhor Irons convenceu-me ao longo do filme. No tempo de exposição que tem, cumpre.
Sequências de acção dignas de antologia, quer aquelas em espaços fechados, quer as de perímetros de maiores dimensões, com uma sensação de espaço, de hecatombe em larga escala.
Zack Snyder trata o tempo, os ritmos, de forma muito particular nos seus filmes; percebo que incomode. Acho que teve um bom balanço em Watchmen e que também o consegue aqui. Chris Terrio e David S. Goyer escreveram uma boa fábula sobre o poder, misturaram muitas e boas referências, conseguiram uma história consistente, épica e emocional. Tem problemas? Tem. Mas um projecto com este grau de ambição, seria complicado que não os houvesse. No geral, o balanço é tremendamente positivo. Há momentos brutais.
Uma das críticas mais comuns é a de que o filme é demasiado disperso, contendo material a mais, mesmo para as duas horas e muito de duração (da minha parte, anseio por ver o director’s cut, com três horas e tal). É certo que Zack Snyder usa de muitos floreados, mas acontece que há uns que funcionam tão bem que até nem custa perdoar a maior parte dos dispensáveis. Sendo que prepara as fundações do universo cinemático partilhado da DC, é certo que Batman v Superman deita muitas cartas em cima da mesa, verdade; mas não o faz de forma caótica; antes bem estruturada e com a devida atenção aos aspectos essenciais de cada personagem, e daquilo que delas é preciso ficar a saber para esta história em particular.
Exemplo de como isso foi mal feito, para citar um caso mais ou menos recente, é Avengers: Age of Ultron, que preparou o tabuleiro para a Fase 3 do universo cinemático da Marvel. No caso de BvS, não me parece que a gestão seja mal conseguida. Apesar de partilhar a história com todos os outros personagens, nomeadamente com o Superman, tão protagonista quanto ele, a verdade é que temos aqui o Batman mais bem conseguido de sempre.
Ao lidar com um universo riquíssimo (e a DC está com pressa, legítima, para apanhar a Marvel na corrida), não se pode esperar que um filme de qualquer um destes personagens, que já teve tantas encarnações no cinema (o Batman, então, ui), continue arredado do mundo circundante, com todos os outros heróis e vilões que abundam nas páginas dos comics.
As adaptações cinematográficas de comics, em relação ao meio onde vão beber, estão com entre 20 a 30 anos de atraso. Se é verdade que só agora se conseguem aspectos técnicos que tornam possíveis estas sagas, também é verdade que há todo um património de imaginário que está a transbordar assim, à bruta, pelo cinema adentro.
Esta adorável overdose de filmes (e séries) de super-heróis é, pois claro, uma gigantesca máquina de fazer dinheiro; também não vejo mal que assim o seja, assim venda produtos honestos, de qualidade; mas também é, acima de tudo, uma enchente de personagens e mundos incríveis, criados e desenvolvidos por algumas das mentes mais criativas dos últimos quase 80 anos, histórias brilhantes dos mais talentosos e inspirados escritores, visões de muitos dos melhores artistas (desenhadores, pintores) de sempre, a sairem das páginas de banda desenhada, a assumirem novas formas, num cocktail das suas várias encarnações nos comics, e a tomarem literalmente de assalto outros meios, outros públicos. A entrarem sem pedir licença. E isso é lindo.
No cinema, isto ainda agora começou. Até quando vai durar, não sei; mas estou a adorar a viagem.
Se gostam dos filmes e não conhecem os comics, leiam os comics. Se não gostam, leiam à mesma. São capazes de gostar; comics são como o vinho – há colheitas indispensáveis.
Crítica assinada por Filipe Homem Fonseca, convidado pela Take Cinema Magazine