O ciclo de cinema As Imagens Reencontradas decorrerá de 6 de Abril a 25 de Maio, às quintas-feiras, pelas 18:30, no Salão Nobre da Reitoria da Universidade de Lisboa. Tiago Silva, curador do ciclo, explica-nos como surgiu a ideia e o que por lá se vai passar.
Como surge o ciclo As Imagens Reencontradas?
A licenciatura que frequento na Universidade de Lisboa, em Artes e Humanidades, obedece a um modelo bastante acertado, a meu ver, e muito recompensador. Há um grupo comum de disciplinas que todos os estudantes frequentam e, a partir daí, se o desejarem, organizam o seu curso em Majors e Minors, áreas de concentração temática que obedecem às suas inclinações académicas. Optei por fazer um Major em Artes do Espectáculo, por causa das inúmeras disciplinas de cinema que me interessavam, que prevê um seminário de trabalho na sua conclusão. No seminário, as pessoas escrevem uma dissertação de licenciatura, realizam um estágio ou dedicam-se a um projecto. Queria evitar algumas restrições que me pareciam desinteressantes, e fazer algo que fizesse sentido face ao fim da licenciatura. Tinha trabalhado com a Reitoria há pouco tempo, no festival Signes de Nuit, e quando tive a ideia de ali fazer um ciclo apoiado na cinefilia, o Rui Teigão, e depois o Núcleo de Programação Cultural, aceitaram a proposta e acolheram-na com entusiasmo.
E quais são os motivos que levaram à sua criação? Porquê o tema da cinefilia?
Não sei se o encaro como um tema stricto sensu, porque uma das coisas que pretendia era precisamente escapar da delimitação muitas vezes artificial a que uma programação temática obriga. Nem sempre isso é uma coisa má, mas simplesmente não coincidia com o que queria fazer. Os motivos são simples. No que ao cinema diz respeito, sempre me pareceu relevante partilhar com outras pessoas os filmes que me apareciam como milagres e que não podiam deixar de ser vistos. Isto é relativamente trivial, creio: recomendamos aos outros e falamos com eles dos livros, fotografias, peças de teatro e experiências que nos ficaram na memória e a que concedemos importância. Ninguém perde tempo a falar daquilo com que não se importa; e por impossibilidade prática ninguém fala do que não se recorda. A tentativa que depois fazemos de interpretar esse conjunto de coisas como um todo coerente e de as relacionar entre si é um exercício frequente, mas secundário. E nada garante que, nalguns casos, não seja apenas uma coerência ilusória para um tipo meio caótico de museu mental.
A propósito disso, referes no programa do ciclo que, ao optar por esse modelo, as relações que se forem estabelecendo entre os filmes até podem ser mais interessantes.
Sim, no sentido em que se torna claro que não é invulgar que o acaso tenha nessas circunstâncias um papel mais importante do que aquele que gostamos de admitir. Às pessoas que convidei para apresentarem as sessões pedi que escolhessem um filme que recordassem da História do Cinema, sem que soubessem das escolhas umas das outras. E é claro que agora, tendo a programação fechada, é tentador começar a estabelecer relações entre os vários filmes e a valorizar as coincidências. Algumas têm piada. Não consigo falar do Senso, por exemplo, sem pensar no Madame de…, que Clara Rowland apresentará; e nele, o De Sica, realizador de Ladri di biciclette, a escolha de Ivo Canelas, interpreta o Barão Donati. Há outras: Mário Jorge Torres escolheu o Rio Bravo, e Fernando Guerreiro o Halloween do Carpenter, que homenageia explicitamente o Hawks no Assault on Precinct 13; António Feijó fala de Gloria de Cassavetes, realizador determinante para o Scorsese, que por sua vez é uma referência importante para o Il Divo de Sorrentino, escolhido por Simão Valente. Isto não prova nada de particularmente especial, a não ser que é fácil construir interpretações a partir de certos factos e que todas estas pessoas fizeram coisas de que nos lembramos, e às vezes por motivos parecidos.
Quais são as tuas expectativas para o ciclo? Sentes que os teus colegas também se interessam por cinema?
Creio que em Letras há um interesse intenso no cinema por parte de vários estudantes: existe o Nucivo, a Faculdade já formou críticos e realizadores, e as disciplinas de cinema ficam sempre sem quaisquer vagas por preencher. Mas não saberia muito bem o que dizer em relação às expectativas para as sessões. Sem querer entrar numa deriva autobiográfica, parece-me que é evidente que há uma relação entre falar de memórias num ciclo de cinema e as memórias que ficam de uma licenciatura que chega ao fim. Se as pessoas aparecerem para rever ou ver filmes que apaixonam quem vem falar deles e aqueles lhes ficarem na memória, isso deixar-me-á muito feliz; serem muitas ou poucas é importante do ponto de vista da gestão cultural, mas não me parece a prioridade num ciclo deste tipo. Numa entrevista famosa à Paris Review, a Susan Sontag disse uma coisa que me impressionou bastante: “não escrevo por haver público, mas porque há literatura”. O objectivo principal aqui é esse mesmo: fazer justiça ao facto de haver cinema.
A informação do ciclo está disponível em https://www.ulisboa.pt/?
Consulte aqui o programa completo: https://www.ulisboa.pt/wp-content/uploads/programa_digital.pdf