Uma jovem rapariga atravessa os corredores da faculdade, discretamente cumprimentando alguns colegas pelo caminho. Cruza-se com um homem mais velho, um professor. Trocam um olhar cúmplice, e caminham juntos em direcção a um lugar mais resguardado. Têm sexo. Um corte, estamos numa outra cena, em que outra jovem rapariga está à porta de um edifício, malas feitas, a chorar o fim de uma relação. Levanta-se e segue caminho em direcção à casa do pai, onde pede abrigo para os tempos mais próximos. O pai é o homem que vimos na cena anterior, e a filha passará então a viver com ele e com a estudante com quem o vimos anteriormente a ter relações.
É no centro deste triângulo que passamos os curtíssimos 75 minutos da duração de O Amante de Um Dia, o mais recente filme do veterano Philippe Garrel, um dos grandes nomes do cinema francês. Como sempre, na base do seu trabalho está o amor, e por ele se sofre e se cresce. Rodado, como habitualmente acontece, num preto e branco absolutamente maravilhoso, o filme é despojado de grandes artifícios e essa simplicidade, que se reflecte na história, na duração, e mesmo nos cenários que parecem realmente vividos, é uma lufada de ar fresco quando comparada com alguns títulos que parecem querer este mundo e o outro para no final nos apresentarem apenas um vazio de ideias. Porque para estas personagens, este é o seu mundo, e as suas relações podem ser um caso de vida ou morte. Quem seguiu os seus últimos trabalhos, Ciúme (2013) e À Sombra das Mulheres (2015) estará familiarizado com o tom e o estilo.
Apesar da presença de Éric Caravaca como Gilles, o homem mais velho, simultaneamente o pai preocupado e o professor metido com a aluna bem mais nova, podemos dizer que O Amante de Um Dia se centra acima de tudo nas duas jovens mulheres, que se tornam cúmplices apesar (ou por causa) das suas diferenças, especialmente na forma como olham o amor. Ariane (Louise Chevillotte), a amante do pai, é sexualmente mais desinibida, procurando o prazer nos corpos de homens da sua idade como uma necessidade meramente física, mas fazendo questão de deixar o coração a Gilles. Por outro lado Jeanne (Esther Garrel, filha do realizador e irmã do actor Louis Garrel) não concebe uma ideia de sexo desprovido de amor e sofre pelo fim da sua relação porque, sem o amor, a vida deixa de fazer sentido.
Sem revelar demasiado sobre o que acontece até ao final, especialmente porque pode ser um enorme prazer para o espectador passar tempo com estas personagens, cheias de defeitos e incoerências como qualquer um de nós, as últimas cenas funcionam quase como o reverso das iniciais, como que chegando ao culminar de uma fase de amadurecimento das duas jovens mulheres. Sem nunca chamar a atenção para isso, percebemos facilmente que a câmara de Garrel adora os seus protagonistas, talvez porque toda a sua obra pareça sempre extremamente pessoal, sendo capaz de nos dizer muito sobre cada um deles pela simples forma como enquadra os seus actores com os cenários dentro dos seus planos panorâmicos. E não é isso, afinal, aquilo que de mais puro o cinema tem para nos oferecer?
Review overview
Summary
Com uma simplicidade a que nos tem vindo a habituar nos seus mais recentes trabalhos, Philippe Garrel volta a conquistar-nos com este pequeno belo filme sobre o amor e o amadurecimento emocional.