Como se comporta o clássico de 1992 nos dias modernos?
Aladdin… Ouvir este nome faz-me recordar uma infância já longínqua, onde os desenhados animados moldavam a minha vida à medida que ia crescendo neste mundo. Hoje, agora, estamos em 2019, mas nem isso é sinónimo de que devemos de enterrar o passado. De deixar de olhar para histórias clássicas e adaptá-las ou contá-las ao mundo moderno. Porém, algo muito interessante e importante tem de ser dito: apesar de saber do Aladdin (1992), da sua premissa, do seu macaco, Génio e tapete mágico, nunca tinha visto o filme. Muitos podem ficar em choque, mas isto só me faz perceber o como os live-actions não têm de ser vistos como inimigo, mas sim como o abraçar de um passado que tem uma grande potencialidade para pertencer a um agora em que questões como poder, ganância e humanidade são cada vez mais debatidas.
Guy Ritchie é quem assina a realização do filme após um extenso currículo de filmes respeitáveis, como a saga Sherlock Holmes. Foi desta forma de brincar com movimentos de câmara e perspetiva que a cidade do filme, Agrabah, nos é apresentada. Após ter visto O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos (2018) penso que seria difícil da minha parte duvidar da capacidade das equipas de CGI em criar cenários, mas Agrabah foi um completo mundo cheio de riqueza, figurantes, ação de fundo e detalhe que me fizeram entrar no filme de uma forma completamente diferente. Aladdin é perfeitamente desempenhado pelo ator canadiano Mena Massoud, e por mais que a sua entrada musical no filme me tenha feito questionar o valor pago pelo bilhete, a verdade é que me convenceu bastante ao longo da narrativa. Este representa um rapaz órfão cujo único elemento primário de socialização é o seu fiel parceiro macaco, Abu. Este sobrevive por meio das artimanhas do roubo, vendendo o que consegue arranjar com Abu no mercado. A sua vida – e coração – mudam ao encontrar-se com a princesa Jasmine, interpretada pela atriz e cantora inglesa Naomi Scott. Tal como Aladdin, Jasmine é órfã de mãe, vivendo com este peso do seu passado no dia-à-dia, uma vez que o seu pai, o Sultão (Rei), a proíbe de suceder ao cargo – por ser uma mulher e estar na lei esta proibição -, assim pela segurança que quer para a filha. Mesmo que o povo não ponha olhos em Jasmine há anos, este adora a princesa, sendo que a mesma se aventura a escapar do palácio para apreciar a vida do povo que tanto ama e quer cuidar. É nesta visita clandestina que se depara com Aladdin, em que este habilmente a leva por uma corrida frenética pela cidade para escaparem dos guardas reais após esta ter dado dois pães a crianças necessitadas. Quando chegam à casa improvisada de forma brilhante por Aladdin, estes acabam por se apaixonar um pelo outro, reconhecendo como são reféns das suas vidas. Sem dar por isso, e no momento da despedida das personagens, Abu fica com a pulseira de Jasmine, fazendo com que a despedida seja abrupta.
Evidencia-se assim o lado humanitário e próximo da princesa com o seu povo. Porém, quando tem a voz e liberdade cortadas por um pai receoso, assim como ao mítico vilão Jafar (Marwan Kenzari) que quer poder para si, querendo invadir a terra natal da mãe da falecida rainha, torna-se difícil esta não ser prisioneira da sua própria vida.
Quem fica igualmente refém é Jafar, ou melhor será dizendo, o ator Marwan. O ator não me conseguiu convencer em atuação e postura, parecendo mais um homem mimado sem qualquer passado explicado. A prestação consegue enquadrar-se no tom familiar do filme, mas para um estúdio que arrojou em Maléfica – e brevemente em Maléfica: Mestre do Mal – penso que poderiam ter tido uma abordagem diferente ao vilão. Apesar disto, é por meio do vilão que Aladdin se vê diante da mítica caverna dos mistérios após este ser apanhado a devolver a bracelete a Jasmine.
É na caverna que temos finalmente o vislumbre de Will Smith como Génio, uma das personagens bastante criticadas aquando das primeiras imagens divulgadas da adaptação. No filme ele está bem azul, sendo a sua atuação uma autêntica surpresa. Nunca fui admirador do ator, mas após este filme, ver uma interpretação cheia de carisma, era impossível não ficar indiferente. O tapete mágico faz também a sua entrada neste momento do filme, sendo com Abu uma dupla de personagens improváveis fascinante.
A história desenrola-se por meio da música, tão bem interpretada por todos os elementos do elenco, transmitindo uma profundidade e conexão superior com a vida vivida pelas personagens. Com a estreia de novas músicas originais, Alan Menken fez um trabalho excecional e já conhecido pelos filmes A Bela e o Monstro. Para mim, o destaque do filme vai para o momento a solo de Jasmine, com a música Speachless, assim como as músicas interpretadas por Will Smith, tão bem condizentes com o Génio. Tenho a certeza de que Robin Williams ficaria feliz por ver continuar uma das personagens pela qual ficou tão conhecido. Em termos visuais, as coreografias, vestuário e realização ajudaram a transmitir o que serão, acredito, cenas para sempre lembradas. Cheias de cores, muito influenciado pela cultura indiana, a interpretação das músicas Prince Ali e Friend Like Me é fabulosa.
Tendo estes dois elementos fundamentais: a história clássica, assim como o elemento musical, o filme esteve sempre em constante movimento, com transições bem desenhadas e pensadas, em que para além da coreografia dos números musicais, os próprios atores se mexiam com perícia, com cada lugar bem delimitado e efeitos visuais bem-adaptados ao mundo moderno.
Por meio de dilemas morais e transformações internas nas personagens, a narrativa conclui com grande humildade e com um conjunto de grandes lições a fazerem parte do que se espera para a evolução de uma sociedade. Jafar e o seu fiel papagaio são derrotados após momentos de aflições para as personagens e cidade, para se dar lugar a uma hierarquia de poder baseada não no género, mas nas competências reais das personagens, neste caso, de Jasmine. O concretizar do terceiro desejo de Aladdin é assim motor para o fim do filme, libertando o Génio da sua prisão. Desta forma compreende-se o crescimento de todas as personagens, ao se dar conta daquilo que realmente importa: o carácter e de como as nossas escolhas podem ter significados mais profundos do que se espera. Confesso que me emocionei com o momento, muito por conta da realização “melodiosa” que foi escolhida para retratar a história. Aladdin e Jasmine conseguem assim ficar juntos, não por uma história de amor clássica, mas antes sim pela valorização das escolhas e de diversas dimensões que um ser humano tem. Foi uma autêntica delícia ver o filme e mal posso esperar por o recordar ao ouvir a sua banda sonora.
Crítica assinada por Diogo Simões, leitor da Take Cinema Magazine e autor dos livros ‘O Bater do Coração’ e ‘Esquecido’
Review overview
Summary
Com Aladdin a Disney conseguiu fazer ver o porquê da necessidade destas histórias recontadas, entregando um filme familiar e com muitos momentos de prazer musical e de reflexão individual.
Ratings in depth
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Argumento
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Interpretação
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Produção
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Realização