A Paixão de Van Gogh (Loving Vincent) é o primeiro filme no mundo totalmente pintado à mão, frame a frame. Inclui mais de 62.500 obras pintadas (um quadro por frame) por 150 artistas de todas as partes do mundo, segundo a técnica de Vincent Van Gogh. A Take entrevistou os realizadores Dorota Kobiela e Hugh Welchman.
Ambos deram vida a algo magnífico. Mais do que um filme, uma experiência inesquecível com que agraciar os olhos. Qual a sensação de terem dado tamanho passo na história do cinema?
Foram milhares de pequenos passos que tivemos de dar ao longo de 7 anos para chegarmos ao ponto em que estamos. Estamos tão ocupados a trabalhar na exposição “Loving Vincent” que será inaugurada na Holanda, que se dará em paralelo com o filme, que ainda não tivemos tempo para reflectir devidamente. Em momentos fugazes, olhamos um para o outro e ainda não conseguimos acreditar que realmente o fizemos! Por vezes parece um sonho. Era o nosso sonho fazê-lo e agora encontra-se à solta pelo mundo, separado de nós.
Uma das coisas mais fascinantes acerca do vosso filme é o quanto foram capazes de reter das características dos atores. Foi difícil fazê-lo? E foi mandatório desde o início manter aqueles rostos totalmente reconhecíveis?
Sim e sim! Isto é o coração do nosso filme. Se não tivessemos ficado satisfeitos de que conseguiriamos manter a personalidade e o desempenho dos atores durante os nossos testes iniciais, nunca teríamos avançado e feito este filme.
Vincent queria capturar a “alma do retratado”, de intensamente trazer à tona a personalidade da pessoa cujo retrato estava a fazer. Os nossos pintores tiveram de animar o desempenho dos atores da mesma forma através do estilo de cor e impasto de Vincent.
Conseguimos fazê-lo porque os nossos pintores eram tão talentosos.
Existe no vosso filme um amor quase palpável por Vincent. Cada um de vocês tem um quadro preferido do pintor? E encontra-se presente no filme?
Dorota – O meu preferido muda de dia para dia, de acordo com a minha disposição. Visto que estou a sentir-me exausta e um pouco em baixo, a minha escolha de hoje é o “Retrato de Dr. Gachet”.
Hugh – “Terraço do Café à Noite”, sempre!
A próxima pergunta é para a Dorota. Tendo em conta a sua formação em pintura, foi difícil deixar de controlar todos os planos? Isto é, não poder pintá-los a todos você mesma.
Como realizadora não perdi o controlo. Concebemos um sistema que me permitiu controlar o estilo de pintura e o aspecto que queria. Tive Piotr Dominak, Chefe de Painting Animation , assim como 5 Supervisores de Painting Animation, para manterem todos a fazer o mesmo filme! Mas eu estava sempre ansiosa para pintar! Consegui animar um plano, mas estava a trabalhar das 08h às 18h a realizar e a seguir ia animar das 19h às 23h. Depois de um só plano naquele regime, apercebi-me de que tinha de me focar na realização, visto que era demasiado trabalho supervisionar os 100 pintores e ainda conseguir animar também.
A década corrente tem trazido alguns filmes muito interessantes que retratam pintores bem como algumas das suas obras. “O Moinho e a Cruz” de Lech Majewski, inspirado no quadro “Caminho do Calvário” de Bruegel. “Shirley: Visions of Reality” de Gustav Deutsch, que se atreve a entrar nos quadros de Edward Hopper, dando vida aquelas personagens paradas no tempo. Há algum filme que tenha influenciado a vossa linha de pensamento? Um que na vossa opinião reduz a fronteira entre pintura e cinema?
Curiosamente, não fomos influenciados de todo por nenhum desses filmes. Fomos fortemente influenciados por documentários de investigação, nomeadamente “Dreams of a Life” de Carol Morley e “The Thin Blue Line” de Errol Morris. Outra grande influência no filme foram os films noirs, em particular “À Beira do Abismo”.
Se Vincent não tivesse morrido tão novo, teria estado presente para testemunhar o nascimento do cinema que estava prestes a dar-se. Conseguem imaginar o que lhe passaria pela cabeça diante de imagens em movimento? Isto é, se ele pudesse dispensar um pouco de tempo da pintura para ir vê-las.
Vincent não era fã de fotografia, pelo que tenho a certeza de que não estaria interessado nos filmes dos Irmãos Lumière que apenas mostravam cenas reais. No entanto, ele adorava histórias, era um ávido leitor tanto de clássicos como de ficção recente, então penso que ele haveria de ter gostado dos envolventes dramas épicos que começaram a ser produzidos no início do século XX. E como inovador, creio que ele estaria interessado na direcção mais fantástica tomada pelo cinema, em particular pela animação.
O que se segue para ambos?
Estamos prestes a inaugurar a exposição “Loving Vincent”, que apresenta 120 dos nossos quadros favoritos do filme. Será inaugurada a 14 de Outubro no Museu Noordbrabants na Holanda. Depois disso, o Hugh tem de terminar o livro que estava a escrever durante a produção d’ “A Paixão de Van Gogh”, que se desenrola logo após o final da 1ª Guerra Mundial. Em Dezembro iremos começar a trabalhar no nosso próximo filme pintado. Agora queremos fazer um filme pintado de terror, que será inspirado nos últimos quadros de Goya.
You both brought something amazing to life. More than a film, an unforgettable experience to feast your eyes into. How is the feeling of taking such a step in the history of cinema?
It was 1000’s of small steps that we had to take over 7 years to get to where we are. We’re so busy working on the Loving Vincent Exhibition that opens in Holland, which will go hand in had with the film, that we haven’t yet had a time to properly reflect. In fleeting moments we look at each other and can’t quite believe that we actually did it! It sometimes feels like a dream. It was our dream to do it, and now it is out there in the world, separate from us.
One of the most amazing things about your film is how much of those actors’ traits you were able to retain. Was it hard to do that? And was it mandatory from the beginning to still mantain those faces totally recognizable?
Yes and yes! This is the heart of our film. If we hadn’t have been able to satisfy ourselves that we could retain the personality and performance of the actors in our early tests we would never have moved forward and made this film.
Vincent wanted to capture the ‘soul of the sitter’, to intensely bring out the personality of the person who’s portrait he was doing. Likewise our painters had to animate the performance of our actors through Vincent’s colour style and impasto.
We managed to do this because our painters were so highly skilled.
There’s an almost palpable love for Vincent in your film. Do each of you have a favorite painting of his? And did it make the cut in the film?
Dorota – My favourite changes from day to day, depending on my mood. Today’s choice, as I’m feeling exhausted and a little down is Portrait of Doctor Gachet
Hugh- Café Terrace at Night, always!
This next question is for Dorota. Given your background in painting, was it hard for you giving up control from all the shots? That is, not being able to paint them all yourself.
As director I didn’t lose control. We set up a system that allowed me to retain control of the painting style and look that I wanted. I had Piotr Dominak, Head of Painting Animation, and 5 Painting Animation Supervisors as well, to keep everyone making the same film! But I was always itching to paint! I did animate one shot, but I was working from 0800 to 1800 directing and then I’d animate from 1900 until 2300. After one shot on that schedule I realized I had to focus on directing, as it was too much work supervising the 100 painters for me to be able to animate as well.
The present decade has brought forward some really interesting films depicting painters and some of their pieces. Lech Majewski’s The Mill and the Cross, inspired by Bruegel’s The Procession to Calvary. Gustav Deutsch’s Shirley: Visions of Reality, which dares to enter Edward Hopper’s paintings, giving life to those characters frozen in time. Is there a film that influenced your mindset? One that in your opinion somehow reduces the frontier between painting and cinema?
Oddly, we weren’t at all influenced by any of those films. We were heavily influenced by investigative documentary feature films, particularly Dreams of a Life by Carol Morley, and Errol Morris’ The Thin Blue Line. The other major influence on the film was Film Noirs, particularly The Big Sleep.
Hadn’t Vincent died so young, he would’ve been present to witness the birth of cinema just around the corner. Can you imagine what would’ve been his line of thought in front of moving images? That is, if he could spare some time from painting to go and see it.
Vincent wasn’t a fan of photography, so I am sure he wouldn’t have been that interested in the Lumiere brothers films that just showed real scenes. However he loved stories, he was a super prolific reader of great fiction and new fiction, so I think he would have liked the sweeping epic dramas that started to be produced at the start of the 20th century. Also as an innovater I think he would have been interested in the more fantastical direction taken in cinema, particularly animation.
What’s next for both of you?
We’re about to launch The Loving Vincent Exhibition, which displays 120 of our favourite paintings from the film. It opens in Holland at the Noord Brabants Museum on 14th October. After that Hugh has to put final touches to the book he was writing while we were doing Loving Vincent, which is set just after the end of World War One. Then in December we will start work on our next painted film project. Next we want to do a painted horror film, and it will be based on the late paintings of Goya.
Filmes mencionados na entrevista / Movies mentioned in the interview:
The Big Sleep (1946) http://www.imdb.com/title/tt0038355
The Thin Blue Line (1988) http://www.imdb.com/title/tt0096257
Dreams of a life (2011) http://www.imdb.com/title/tt1819513
The Mill and the Cross (2011) http://www.imdb.com/title/tt1324055
Shirley: Visions of Reality (2013) http://www.imdb.com/title/tt2636806