O menino-prodígio do cinema actual mudou-se para os Estados Unidos, e como um personagem dos seus filmes a sofrer um crescimento doloroso, Xavier Dolan perde a sua voz num filme banal.
A Minha Vida com John F. Donovan (The Death and Life of John F. Donovan, 2018) é o primeiro filme do canadiano Xavier Dolan nos Estados Unidos, e falado em inglês, depois de uma série de filmes no seu país natal, que lhe valeram prestígio internacional pela originalidade e irreverência da sua voz autoral, o que, aliadas à sua tenra idade (tinha 20 anos quando se estreou como realizador, tem 30, actualmente) fizeram dele um nome a seguir com atenção.
Só que, seja pelo medo de falhar, seja por uma simples crise criativa, seja pelo esgotamento dos seus temas (sempre muito pessoais e autocentrados), o seu novo filme fica aquém de todas as promessas, e aquém de toda a sua – interessantíssima, reforce-se – obra anterior.
Com maior orçamento, e um sem número de estrelas – várias delas sub-aproveitadas (dos papéis cliché de Natalie Portman e Susan Sarandon, ao pouquíssimo tempo de tela de Kathy Bates, e inexplicável aparição de Michael Gambon, etc.) – há um retocar dos seus temas habituais (a dificuldade na afirmação de uma sexualidade, a relação com uma mãe intensa e dominadora), mas sem que estes resultem numa história coesa e estimulante.
Tudo em A Minha Vida com John F. Donovan parece já visto, e, pior que isso, deslocado: das interpretações – dadas a histerias descontroladas – aos conflitos (seria assim tão destruidor ser um actor homossexual em 2006?), e o que começa como uma espécie de conto de fadas moderno: a história de uma criança (Jacob Tremblay) que se corresponde com um actor famoso (o nominal John F. Donovan, nem mais que Kit Harington, o famosíssimo Jon Snow de Guerra dos Tronos), não leva a mais que à fachada narrativa de nos contar uma história com narrador que, na verdade, não presenciou nem podia perceber nada do que estamos a ver, sem que esses cambiantes de percepção e realidade sejam alguma vez tidos em conta.
A partir daí, falta risco e uma voz própria a um filme que se torna sensaborão – algo que a obra anterior de Dolan nunca é, – desinspirado, e nunca minimamente estimulante, dado o número de lugares-comuns usados para preencher uma narrativa que, lidando com a fama, afirmações pessoais e sexualidade, não espantaria que dissesse muito à própria vida de Dolan. Mas nele se prova que não basta ser-se autobiográfico para se ter um bom filme. Dolan consegui-o antes, fracassou agora.
Falhada a primeira entrada nos Estados Unidos, resta-nos esperar que A Minha Vida com John F. Donovan seja apenas um acidente de percurso, e que Xavier Dolan tenha ainda muito de criativo a dizer-nos.
Review overview
Summary
A Minha Vida com John F. Donovan mostra que não basta um bom orçamento, actores famosos, e referências dolorosamente pessoais de um autor já consagrado, para se conseguir um bom filme. Dolan já o conseguiu antes, falhou redondamente na sua estreia em inglês, com o mais cliché e desinteressante filme da sua ainda curta carreira.
Ratings in depth
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Argumento
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Interpretação
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Produção
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Realização