A Feiticeira do Amor é, ele próprio, um filme repleto de amor. Não por ninguém em específico, mas por um certo tipo de Cinema que já não existe. Um filme apaixonado pelas roupas, os cenários, a música, os corpos e rostos dos actores, enfim, pelo look das décadas de 1960/70, especialmente como captados pelo cinema, e que invade cada fotograma das suas duas horas de duração. Mais do que qualquer outra coisa, é isso que salta à vista: uma colagem aos filmes exploitation no geral, e à filmografia italiana em particular, do giallo às comédias sexuais. O resultado final pode parecer completamente artificial, mas esse é precisamente o objectivo e o charme da película.
Elaine (Samantha Robinson) é uma bruxa que chega a uma nova localidade depois de abandonar o seu marido, decidida a reencontrar o amor. [Alguns planos soltos em modo de flashback sugerem-nos mesmo que esta terá morto o marido, oferecendo-nos de imediato um lado obscuro e perturbado da protagonista.] Depois de travar amizade com a sua nova senhoria, Elaine recomeça a vida, fazendo poções que vende à loja de bruxarias local, e outras que irá usar para enfeitiçar os homens que pretende conquistar. Mas um pequeno percalço nas suas conquistas irá trazer-lhe alguns problemas, depressa se vendo com um detective no seu encalço.
Não sendo apenas um embrulho bonito e divertido para um conteúdo vazio, A Feiticeira do Amor também usa o artifício de época para comentar a actualidade. O anacronismo está, de resto, bem presente quer ao nível estético (telemóveis e automóveis modernos convivem com cenários e roupas dos anos 1970), quer temático. Elaine é uma mulher aparentemente presa a convicções conservadoras, educada para agradar ao sexo oposto, dando-lhe prazer e acudindo às suas necessidades físicas e emocionais para assim lhes conquistar o amor, mas por baixo disso há algo que deseja a libertação a todo o custo, que deseja obter aquilo/quem que quer. Das questões do feminismo à integração de minorias sociais (Anna Biller, a realizadora, é uma mulher americana de origem nipónica), os temas são abordados sem nunca fazer deles uma bandeira demasiado óbvia ou moralista. Todo o filme tem lugar numa comunidade que convive com a diferença e os marginais sem, no entanto, deixar de os olhar de lado e apontar o dedo, sempre preparados para uma oportunidade para iniciar a caça às bruxas.
Mas falar de A Feiticeira do Amor é também falar obrigatoriamente do estilo, e nesse aspecto chegam a ser deliciosas as referências cinéfilas com que Biller, ela própria responsável não apenas pela realização como também pela escrita, produção, edição, guarda-roupa e cenários, polvilha cada plano. Começando por Samantha Robinson que, apesar de fisicamente fazer lembrar uma Mary Steenburgen mais jovem, está a evocar outras musas do exploitation, nomeadamente Edwige Fenech, essa extraordinária beleza argelina que usou o corpo para brilhar no grande ecrã, por exemplo no filme de Sergio Martino de 1972, Todas as Cores da Escuridão e que, tal como este, gira à volta de cultos sinistros. Mas o restante elenco foi igualmente escolhido a dedo, e o próprio estilo de representação remete imediatamente para o cinema da época, tal como a encenação, que segue regras muito específicas e pouco usuais hoje em dia: uma espécie de mistura entre a paixão de Tarantino pelo cinema xunga de antigamente e a obsessão de Wes Anderson por cada peça de decoração vintage que compõe muitos dos seus planos. No geral, talvez seja justo dizer que é um pouco mais longo do que eventualmente necessitaria, mas A Feiticeira do Amor é ao mesmo tempo uma feliz e assumidíssima homenagem a um certo cinema e um bem sucedido e divertido filme por direito próprio.
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Summary
A Feiticeira do Amor é ao mesmo tempo uma feliz e assumidíssima homenagem a um certo cinema que já não se faz, e um bem sucedido e divertido filme por direito próprio.