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[24º Caminhos do Cinema Português] Terra Franca

de Leonor Teles

muito bom

Depois de partir a loiça toda na curta “Balada de um Batráquio”, Leonor Teles avança com desenvoltura pelo formato de longa-metragem em “Terra Franca”, um documentário quase tão singelo e fascinante como as figuras que observa. É um filme sobre os pequenos episódios do quotidiano, que se embrenha quer pelo dia-a-dia de um pescador e da sua família, quer por alguns dos espaços de uma antiga comunidade piscatória à beira do Tejo. O quanto a câmara influencia ou não os comportamentos daqueles que nos são apresentados é algo que desconhecemos. No entanto, sentimos toda uma sensação de genuinidade e empatia em volta das acções de Albertino Lobo e do seu núcleo familiar. Os actos destes elementos são regularmente captados com recurso a planos de longa duração, prontos a deixarem tudo fluir com enorme naturalidade e a sublinharem a faceta observadora da câmara. Note-se quando somos colocados perante um jantar onde os diálogos se sobrepõem e os sentimentos aquecem, ou ficamos diante de Albertino e a sua esposa, Dália, a efectuarem uma viagem de carro em plena madrugada.

Na viagem mencionada encontramos o pescador a conduzir o carro, enquanto transporta a mulher para o café do qual é proprietária. Ambos acordam bastante cedo: Albertino para pescar; Dália para preparar o estabelecimento antes dos clientes aparecerem. A cumplicidade do casal é evidente, seja nos diálogos que troca ou no espaço que um cônjuge dá ao outro. Veja-se o trecho em que Dália salienta a facilidade que tem em sair sem a companhia do esposo, ou os fragmentos de “Terra Franca” onde encontramos o pescador sozinho enquanto observa o rio ou o território que o rodeia. A pesca é a sua fonte de sustento, embora tenha perdido recentemente a licença, algo que o preocupa e permite a Leonor Teles abordar este assunto a partir de uma perspectiva bastante particular. Diga-se que o acompanhamento deste indivíduo e da sua família surge praticamente como ponto de partida para a cineasta deixar-nos diante de situações que trazem ao de cima assuntos relacionados com o conflito de gerações, as relações entre pais e filhos, o matrimónio e a insegurança profissional, entre outros temas.

Leonor Teles consegue que episódios ou diálogos aparentemente comuns permitam dizer muito sobre este núcleo familiar e as rotinas dos seus membros. Note-se como a notícia da compra do aspirador por parte de Dália permite expor algumas das dinâmicas desta família, ou como o final de uma refeição serve quase como uma ponte para colocar em evidência o conflito entre gerações. O casal tem duas filhas, nomeadamente, Ana Lúcia e Laura. A primeira é a mais velha, é mãe da pequena Alice e encontra-se noiva de Tiago. Já a segunda é a mais nova, tem uma relação por vezes complicada com a progenitora e não pretende casar. Laura vive em casa dos pais, enquanto Ana Lúcia visita regularmente o lar dos progenitores na companhia de Tiago e Alice. Este tem uma relação aparentemente saudável com os sogros, um adjectivo que se torna particularmente notório quando observamos a desenvoltura com que dialoga e lida com os progenitores da sua futura esposa. Por sua vez, a petiz exibe um enorme à vontade com os avós e um gosto notório por ver o Canal Panda, com “Terra Franca” a deixar-nos perante alguns dos traços dos elementos deste grupo.

O respeito mútuo e a amizade marcam a relação destes homens e mulheres, ainda que, como em qualquer família, as discussões apareçam quando menos se espera e coloquem em realce algumas diferenças ou o calor do momento, algo particularmente notório quando observamos alguns episódios relacionados com a preparação do casamento. “Terra Franca” respeita estas figuras e demonstra um interesse genuíno pelos seus dilemas, as suas alegrias, as suas tristezas e altercações. Acima de tudo é um retrato simples e honesto de uma família e de um pescador. Simples, embora esteja longe de ser simplista. É uma obra que absorve a vida, o real, o ficcional, as especificidades das quatro estações e as particularidades do território ao mesmo tempo em que os deixa chegar calmamente ao espectador, ainda que com uma ou outra redundância pelo meio. As filmagens decorreram em Vila Franca de Xira, um espaço que fez parte do passado da realizadora e da realidade dos membros deste núcleo familiar, sobretudo de Albertino, ou o seu ofício não estivesse ligado ao rio e os seus laços à terra. Com uma postura afável e ponderada, igualmente introspectivo e dialogante, o pescador e a sua família são acompanhados de forma atenta ao longo de “Terra Franca”, um documentário que confirma as boas indicações deixadas anteriormente por Leonor Teles.

Review overview

Summary

Depois de partir a loiça toda na curta "Balada de um Batráquio", Leonor Teles avança com desenvoltura pelo formato de longa-metragem em "Terra Franca", um documentário quase tão singelo e fascinante como as figuras que observa.

Ratings in depth

  • Argumento
  • Produção
  • Realização
3.5 10 muito bom

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