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[24º Caminhos do Cinema Português] Porque é este o meu ofício

de Paulo Monteiro

excelente

A banda sonora e o tom de voz que João Reis incute às palavras do protagonista e narrador de serviço contribuem e muito para a atmosfera comovente, terna e melancólica de “Porque é este o meu ofício”, um filme que é pequeno em duração mas enorme nas suas qualidades. Essas falas remetem para as memórias que um filho guarda do seu pai, ou não estivéssemos perante uma curta-metragem de animação sobre essa relação muito especial entre rebentos e progenitores, uma ligação que ganha características distintas ao longo do tempo, mas nem por isso é esquecida ou apagada. Em “Porque é este o meu ofício” as recordações de um adulto chegam acompanhadas por palavras e imagens que remetem para a criatividade da infância, onde dragões marinhos, sereias e anjos podem aparecer da forma mais inesperada e revelar todo um mundo que se encontra a ser descoberto. Um mundo que em parte é dado a conhecer pelo nosso pai, que é mantido no nosso interior através das memórias quer estas estejam bem vivas ou encobertas por essa grande névoa que é a passagem do tempo, que o diga o protagonista desta fita.

O personagem principal de “Porque é este o meu ofício” é um artista que ganha a vida a contar histórias através de desenhos. Parece-nos que é o realizador a trazer as suas recordações para a curta-metragem e a prestar uma homenagem ao seu pai. Se é verdade, torna a vida complicada a qualquer filho. É difícil igualar um tributo tão belo, sentido e tocante. Se não é inspirado no próprio realizador e na relação deste com o pai, podemos elogiar a sua capacidade de nos embalar para o interior do enredo e de criar algo extremamente doce, melancólico e capaz de fazer com que as palavras do protagonista ressoem na nossa mente e tragam consigo as nossas memórias. Essa situação acontece praticamente desde os momentos iniciais, quando o personagem principal pergunta ao pai “Lembras-te como eu ficava feliz quando diziam que eu era parecido contigo?” A questão é feita em voiceover, um pouco à imagem de todas as palavras proferidas no filme, algo que atribui um tom quase confessional ao discurso do artista e contribui para transformar-nos em cúmplices dessa manifestação de apreço.

Ao longo da curta é possível encontrarmos este indivíduo a fumar alguns cigarros. O fumo esvoaça ao ritmo das falas que profere e exacerba a voracidade do tempo e a incomplacência deste para com aqueles que amamos. Observe-se como a força e robustez que o pai do protagonista apresenta no passado são contrastadas com os braços enrugados e minguados deste em idade mais avançada, com a fita a acompanhar de forma breve e concisa o quanto a passagem do tempo mexe com esta relação e a percepção que o filho tem do familiar. Continua a encará-lo como uma figura protectora na qual pode confiar e encontrar conforto, embora exiba uma certa preocupação pelos sinais que a idade começa a deixar no progenitor. É um receio e uma sensação de impotência que todos sentimos, com essa capacidade de trazer ao de cima os nossos medos e o afecto que nutrimos por quem nos dá vida a contribuir para elevar ainda mais esta curta de traço simples e de palavras saídas das zonas mais quentes, afectuosas e humanas do coração.

“Porque é este o meu ofício” é também uma demonstração do talento que existe no interior do cinema de animação português. A prova disso é como duas das grandes pérolas da 24ª edição do festival Caminhos do Cinema Português são precisamente duas curtas de animação, nomeadamente, a fita realizada por Paulo Monteiro e “Entre Sombras”. Mais existem com qualidade. “Porque é este o meu ofício” sobressai pelo modo terno e sentido como um filho expõe em palavras as suas memórias e sentimentos. São falas que queremos dizer, ainda que nem sempre sejamos capazes de proferir, que devem ou deveriam ser verbalizadas junto daqueles que amamos. Estamos assim perante uma curta-metragem encantadora e enternecedora, daquelas que guardamos com apreço na memória e trazem ao de cima as nossas recordações. Por breves momentos regressamos à infância, entramos novamente na idade adulta e aos poucos somos confrontados com a nossa incapacidade de pararmos o tempo e pelo temor de um dia irmos perder o nosso pai. No final ficamos a admirar cada pedaço de “Porque é este o meu ofício” e cheios de vontade de abraçar aqueles que nos são próximos.

Review overview

Summary

Uma demonstração do talento que existe no interior do cinema de animação português.

Ratings in depth

  • Argumento
  • Produção
  • Realização
4.45 10 excelente

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