Seguindo as pisadas da obra de Tennessee Williams, Xavier Dolan traz-nos, em Tão Só o Fim do Mundo (2016) uma família disfuncional, numa versão moderna da parábola do filho pródigo, com Vincent Cassel, Léa Seydoux, Marion Cotillard, Gaspard Ulliel e Nathalie Baye.
Quando pensamos em dramas de famílias disfuncionais em permanente e estridente conflito, talvez nos venha de imediato à ideia a obra de teatro de Tennessee Williams, tantas vezes adaptada ao cinema. O seu mais recente herdeiro no cinema terá talvez sido Um Quente Agosto (2013) de John Wells, baseado numa peça de Tracy Lets, e protagonizado por Meryl Streep. É com essa estirpe que compete o novo filme de Xavier Dolan, Tão Só o Fim do Mundo, Grande Prémio do Júri no Festival de Cannes de 2016.
Com um elenco de estrelas, Tão Só o Fim do Mundo segue, como manda a tradição, uma peça de teatro (de Jean-Luc Lagarce), e vive dos espaços fechados de uma casa, e dinâmicas tensas de um grupo conciso de protagonistas. Desde a primeira frase que sabemos estarmos num rumo para a desgraça, quando Louis (Gaspard Ulliel) nos diz ter uma doença terminal, e que decidiu suicidar-se, mas antes quer ver a família que deixou para trás há doze anos. Note-se que Jean-Luc Lagarce morreu vitimado pela SIDA em 1995, doença do seu protagonista na peça, que, hoje menos fatal, nunca é nomeada no filme.
Gera-se uma espécie da encenação da parábola do filho pródigo, com a mãe (Nathalie Baye) a tentar todos os exageros para fazer Louis sentir-se bem-vindo, o irmão Antoine (Vincent Cassel), ressentido pelo abandono, a ser incapaz de esconder o ciúme pelo «filho preferido», e a irmã Suzanne (Léa Seydoux), ao mesmo tempo ressentida e entusiasmada, condenando os excessos da mãe e sofrendo os abusos de Antoine. Resta a cunhada Catherine (Marion Cotillard), introvertida, cautelosa, mas observadora o suficiente para estabelecer uma ligação silenciosa com um Louis nostálgico, em desconforto e dor.
Filmado com uma elegância exemplar (nos movimentos de câmara, na busca dos rostos, na atenção subtil aos detalhes periféricos), e intercalado com curtos flashbacks que servem como momentos de respiração que não diminuem a unidade da obra, Tão Só o Fim do Mundo faz-nos sentir intrusos numa família que se torna quase nossa, e que, como tal, quase sem explicação, nos incomoda e prende. Os diálogos (por vezes quase monólogos) são sempre fulminantes, ou não fosse o filme servido por um elenco impressionante. Numa lição de Dolan no saber para onde nos guiar a atenção, nenhum gesto, palavra ou olhar se perdem, da violência de Cassel, uma espécie de Caim para o bem-amado e inseguro Abel de Ulliel, à timidez imponente de Cottilard, sem esquecer a energia nervosa de Seydoux ou os tiques da mãe Nathalie Baye, personagem que parece saída de uma peça de Tennessee Williams, todos os actores brilham, num filme que, apesar do tema já visto, não deixa de ser fortíssimo.
Review overview
Summary
Drama intenso de uma família disfuncional, servido por grandes interpretações, num olhar tão elegante quanto incomodativo de Xavier Dolan, que lembra as melhores adaptações do universo de Tennessee Williams.
Ratings in depth
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Argumento
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Interpretação
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Produção
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Realização